terça-feira, 1 de maio de 2018

Amor à maternidade - Homilia de D. Jorge Ortiga na eucaristia com a bênção de grávidas

Nesta celebração eucarística procederemos à bênção das grávidas. É um momento que se reveste de singular importância para quem vai ser mãe mas pode tornar-se também numa oportunidade para tomar consciência da alegria de ser mãe e pai.
É com tristeza e espanto que vemos o modo como, hoje em dia, a parentalidade é encarada. Muitas pessoas focam-se, quase exclusivamente, nos problemas e nas dificuldades que os possíveis filhos podem trazem à vida familiar. Parecem ser um estorvo à felicidade e um impedimento à realização de projectos pessoais e laborais. É imperioso inverter esta tendência e suscitar uma nova cultura de apoio à parentalidade. Ser mãe e pai nada retira às suas vidas. Pelo contrário! Oferece-lhes consolações e alegrias de preço incalculável. Basta ver o que acontece por ocasião do nascimento de um novo ser humano. Um bebé, recém-nascido, ou nos primeiros anos de vida, centra as atenções de todos e congrega familiares e amigos numa atitude de verdadeira festa perante a maravilha da vida. Uma criança é sempre motivo de festa e uma força que imprime coragem perante as dificuldades.
Se esta é a experiência que habitualmente os familiares e os pais fazem, importa perguntar qual a razão para a diminuição da natalidade. Conhecemos bem o estado de Portugal e as estatísticas que nos chegam. Em menos de cinco décadas, o número de nascimentos desceu para menos de metade. Nos anos 60 do século passado, os nascimentos por ano atingiram a marca de 200 mil. Actualmente, o número é de menos de 90 mil. Já em 1982 o número médio de filhos desceu abaixo de 2.1. Esta referência é considerada o limite para a substituição de gerações. Na década de 90 (1994), o indicador fixou-se abaixo dos 1.5 filhos por mulheres, o que é um valor alarmante para a sustentabilidade da população e impede a renovação das gerações. Sabemos que actualmente o índice se situa em 1.2. Não serão razões suficientes para preocupar toda a população e a classe política? Seguindo esta tendência, em 2060 ao invés de sermos 10 milhões de portugueses, seremos apenas 7 milhões.
Esta inversão da natalidade desemboca inevitavelmente no envelhecimento da população. Serão muitos os desafios que a sociedade terá, desde já, de enfrentar de imediato. É o caso, por exemplo, da sustentabilidade da Segurança Social. Uma sociedade que não se renova mergulha em situações cuja gravidade nem sempre é possível prever.
O envelhecimento é um fenómeno que atinge todas as localidades, mas particularmente nas regiões do interior. Verifica-se nos concelhos do interior da Arquidiocese uma desertificação generalizada. A diminuição dos nascimentos é uma razão forte mas não exclusiva. Caímos, por vezes, na ilusão de que a beleza paisagística poderá ajudar a fixar as famílias nesses locais. Estou convencido, contudo, que, com a morte dos idosos e na ausência de crianças que se habituem a gostar desses lugares, dentro em breve estaremos diante de um deserto populacional.
Perante esta realidade é de louvar que uma das preocupações estratégicas de um partido consista na atenção à demografia. Estranho, todavia, a solução proposta, mesmo considerando a demografia “como central para o nosso futuro enquanto país”. As políticas de natalidade são referidas só que sublinha-se que é necessário “atrair para Portugal talentos, força de trabalho, pessoas, que, sendo estrangeiros, vivendo noutras partes do mundo” permitam aumentar o equilíbrio demográfico. Segundo esta estratégia, Portugal “precisa de imigração, de atrair talento para resolver o problema da natalidade que poderia e deveria ser resolvido por nós. Há muita coisa que poderíamos e deveríamos fazer”. A classe política, em vez de investir em políticas de aborto, de gestação de substituição (em que algumas normas fundamentais até foram chumbadas pelo Tribunal Constitucional) e tantas outras orientações como a teoria do género, deveria criar estímulos e fazer com que a parentalidade pudesse ser estimada e estimulada. Sei que tudo depende de opções pessoais. Mas estas devem ser implementadas, esclarecidas e devidamente enquadradas num esquema de vida feliz, talvez com dificuldades.
A ideia de acolher imigrantes ou mesmo refugiados e louvável. Só que impressiona ver os nossos jovens, também com tanto talento e capacidades, graças à formação superior na qual o Estado gastou tanto dinheiro, terem de emigrar e procurar uma vida mais digna e humana. A questão do primeiro emprego, sobretudo após o curso universitário, é um problema para muitos jovens. Sem segurança laboral e realização pessoal, como é possível apelar ao casamento, ao aumento da natalidade e ao contributo para o progresso económico e social? A juventude necessita de um espaço onde se possa desenvolver e enriquecer o país.
Ouvíamos S. Paulo alertar os cristãos para o dever de amar as pessoas e as causas não só com palavras mas também com obras. A maternidade e a paternidade necessitam de ser verdadeiramente acarinhadas. Só assim as dificuldades serão ultrapassadas e não ficaremos reféns da lógica dos dados estatísticos. Defender a parentalidade é defender o futuro da nossa sociedade.
É precisamente do futuro que hoje falamos. Nesta eucaristia estão presentes 35 casais que se preparam para o matrimónio. Louvo a coragem de pararem para reflectir sobre o vosso noivado, a vida em conjunto, os sonhos e o futuro. O matrimónio é um passo sério e um sinal de maturidade humana e cristã. Tiveram oportunidade de conversar com casais na mesma situação mas sobretudo de aprender com a experiência dos casais mais velhos. Auguro que esta tenha sido uma oportunidade para criarem laços de amizade e saberem que podem contar sempre com o apoio da Igreja. A preparação para o matrimónio é apenas o arranque de uma longa caminhada rumo à felicidade e constituição de uma família. Tereis muitas alegrias mas também muitos desafios. Sabei que estaremos sempre cá para vos apoiar.
Às mulheres grávidas aqui presentes gostaria de sublinhar o que Evangelho de hoje nos recorda. A vida do crente assemelha-se à alegria do enxerto. Cristo é a videira e nela está a força e a coragem para nada temer na hora do parto, assim como nos desafios que o primeiro filho ou, o que seria de augurar, o segundo ou terceiro poderá trazer aos pais. Permitindo que a vida esteja enxertada em Cristo nada tememos e deixamo-nos possuir por uma forte esperança que nos assegura que a vitória não é da noite mas da aurora. As sombras poderão ser muitas e densas. A fé afasta o medo e permite que encaremos o futuro com um optimismo que vence todas as dificuldades.
O parto para Maria não foi fácil! Não teve lugar nas estalagens, assim como hoje parece não haver para muitos filhos. Mas que melhor lar do que os braços de uma mãe e de um pai? Esta é o verdadeiro lar de um criança.
Caríssimas mulheres grávidas, que Maria, a Senhora do Ó, a Senhora da Esperança, vos abençoe e esteja convosco para viverdes este momento de emoções e de sentimentos de beleza ímpar.
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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