segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Hoje, dia 22, celebra-se a memória de S. João Paulo II, Papa da Vida e da Família.

Regista-se aqui uma curta passagem da Exortação Pós-Sinodal, de 2003, «ECCLESIA IN EUROPA». Um grito contra o nosso comodismo.

«O ofuscamento da esperança

7. Esta palavra é dirigida hoje também às Igrejas na Europa, frequentemente provadas por um ofuscamento da esperança. De facto, os nossos dias, com todos os desafios que nos lançam, apresentam-se como um tempo de crise. Muitos homens e mulheres parecem desorientados, incertos, sem esperança; e não poucos cristãos partilham estes estados de alma. Numerosos são os sinais preocupantes que inquietam, ao início do terceiro milénio, o horizonte do continente europeu, o qual, « apesar de estar na posse plena de imensos sinais de fé e testemunho e no quadro duma convivência sem dúvida mais livre e mais unida, sente todo o desgaste que a história antiga e recente produziu nas fibras mais profundas dos seus povos, dando origem muitas vezes à desilusão ».(14)

De entre muitos aspectos, amplamente citados também durante o Sínodo,(15) quero recordar a crise da memória e herança cristãs, acompanhada por uma espécie de agnosticismo prático e indiferentismo religioso, fazendo com que muitos europeus dêem a impressão de viver sem substrato espiritual e como herdeiros que delapidaram o património que lhes foi entregue pela história. Por isso, não causam assim tanta maravilha as tentativas de dar um rosto à Europa excluindo a sua herança religiosa, e de modo particular a sua profunda alma cristã, estabelecendo os direitos dos povos que a compõem sem enxertá-los no tronco irrigado pela linfa vital do cristianismo.

No continente europeu, certamente não faltam prestigiosos símbolos da presença cristã, mas, com a afirmação lenta e progressiva do secularismo, correm o risco de reduzirem-se a meros vestígios do passado. Muitos já não conseguem integrar a mensagem evangélica na experiência diária; aumenta a dificuldade de viver a própria fé em Jesus num contexto social e cultural onde é continuamente desafiado e ameaçado o projecto de vida cristã; em vários sectores públicos, é mais fácil definir-se agnóstico do que crente; dá a impressão de que o normal é não crer, enquanto o acreditar teria necessidade de uma legitimação social não óbvia nem automática.

8. Esta crise da memória cristã é acompanhada por uma espécie de medo de enfrentar o futuro. A imagem que se forma do amanhã, aparece muitas vezes vaga e incerta. Do futuro, sente-se mais medo que desejo. Sinais preocupantes disto mesmo são, entre outros, o vazio interior, que oprime muitas pessoas, e a perda do significado da vida. Como manifestações e frutos desta angústia existencial, contam-se, de modo particular, a dramática diminuição da natalidade, a queda das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada, a relutância, se não mesmo a recusa, de tomar decisões definitivas na vida inclusive no matrimónio.

Assiste-se a uma generalizada fragmentação da existência; predomina uma sensação de solidão; multiplicam-se as divisões e os contrastes. Entre outros sintomas deste estado de coisas, a situação europeia actual regista o grave fenómeno das crises familiares e do esmorecimento do próprio conceito de família, a persistência ou reabertura de conflitos étnicos, o reaparecimento de alguns comportamentos racistas, as próprias tensões inter-religiosas, o egocentrismo que fecha indivíduos e grupos em si mesmos, o crescimento de uma indiferença ética geral e de uma preocupação obsessiva pelos próprios interesses e privilégios. Na visão de tantos, a globalização em curso, em vez de apontar para uma maior unidade do género humano, arrisca-se a seguir uma lógica que marginaliza os mais débeis e aumenta o número dos pobres da terra.

A par do aumento do individualismo, nota-se um enfraquecimento progressivo da solidariedade interpessoal: se as instituições de assistência continuam a desempenhar um louvável trabalho, observa-se uma atenuação no sentido da solidariedade, pelo que muitas pessoas, embora não lhes falte o necessário a nível material, sentem-se mais sós, deixadas à mercê de si mesmas, sem redes de apoio afectivo.

9. Na raiz da crise da esperança, está a tentativa de fazer prevalecer uma antropologia sem Deus e sem Cristo. Esta forma de pensar levou a considerar o homem como « o centro absoluto da realidade, fazendo-o ocupar astuciosamente o lugar de Deus e esquecendo que não é o homem que cria Deus, mas é Deus que cria o homem. O ter esquecido Deus levou a abandonar o homem », pelo que « não admira que, neste contexto, se tenha aberto amplo espaço ao livre desenvolvimento do niilismo no campo filosófico, do relativismo no campo gnoseológico e moral, do pragmatismo e também do hedonismo cínico na configuração da vida quotidiana ».(16) A cultura europeia dá a impressão de uma « apostasia silenciosa » por parte do homem saciado, que vive como se Deus não existisse.

Neste horizonte, ganham corpo as tentativas, verificadas ainda recentemente, de apresentar a cultura europeia prescindindo do contributo do cristianismo que marcou o seu desenvolvimento histórico e a sua difusão universal. Estamos perante o aparecimento duma nova cultura, influenciada em larga escala pelos mass-media, com características e conteúdos frequentemente contrários ao Evangelho e à dignidade da pessoa humana. Também faz parte de tal cultura um agnosticismo religioso cada vez mais generalizado, conexo com um relativismo moral e jurídico mais profundo que tem as suas raízes na crise da verdade do homem como fundamento dos direitos inalienáveis de cada um. Os sinais da diminuição da esperança manifestam-se às vezes através de formas preocupantes daquilo que se pode chamar uma « cultura de morte ».(17)

A nostalgia irreprimível da esperança

10. Todavia, como sublinharam os padres sinodais, « o homem não pode viver sem esperança: a sua vida perderia o sentido, tornando-se insuportável ».(18) Muitas vezes pensa-se que é possível satisfazer esta exigência de esperança com realidades efémeras e frágeis. E assim a esperança, confinada num âmbito intramundano fechado à transcendência, acaba por ser identificada, por exemplo, com o paraíso prometido pela ciência e a técnica, com as mais variadas formas de messianismo, com a felicidade de natureza hedonista oferecida pelo consumismo, com o prazer imaginário e artificial gerado por substâncias estupefacientes, com algumas formas de milenarismo, com o fascínio das filosofias orientais, com a busca de formas esotéricas de espiritualidade, nas diversas correntes da New Age.(19)

Tudo isto, porém, se revela profundamente ilusório e incapaz de satisfazer aquela sede de felicidade que o coração do homem continua a sentir em si mesmo. Deste modo permanecem e agravam-se os preocupantes sinais de enfraquecimento da esperança, que às vezes se manifestam mesmo através de formas de agressividade e de violência.(20)egista-se aqui uma curta passagem da Exortação Pós-Sinodal, de 2003, «ECCLESIA IN EUROPA». Um grito contra o nosso comodismo.»

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