sábado, 24 de novembro de 2018

Dia 25 - DIA DE CRISTO REI

                                            LIMPARAM-LHE O SARAMPO E O SEBO!...


Quando se lê um artigo ou um livro, por vezes, nesta ou naquela curva da leitura, surgem afirmações que nos fazem travar de repente, não vamos nós bater com a cabeça na parede e fazer partir a parede e a cabeça. Convém travar, parar, refletir, tal como é pedido, com um sinal de perigo lá plantado, a quem atravessa a linha do comboio: pare, escute e olhe. Acho que é uma das maiores valias do ler... Há dias, numa entrevista publicada no jornal Público, sob o título “Ciência e religião são totalmente incompatíveis”, o Senhor Peter Atkins, Professor de Química em Oxford e autor de livros de divulgação científica, afirmou: “O funcionamento do mundo foi por alguns atribuído a um Criador extraordinariamente metediço, mas incorpóreo, a guiar ativamente cada eletrão, quark e fotão até aos respetivos destinos. As minhas entranhas revolvem-se perante esta visão extravagante do funcionamento do mundo e a minha cabeça segue o mesmo caminho das entranhas”.
Sempre admirei e admiro quem se dedica a estas causas e saberes tão aliciantes. E vejo esta afirmação um pouco no sentido cartesiano, em jeito de dúvida metódica. Duvidar de tudo, até ao extremo, para chegar a uma verdade incontestável. Tendo, porém, em conta que Peter Atkis afirmou não existir qualquer prova da existência de um deus, nem vê como é que um deus possa criar, do nada, o universo; que a ciência tem feito grandes progressos no entendimento do nada e que os cientistas estão a chegar a um ponto em que podem dar uma resposta verdadeira àquilo que os teólogos fingem compreender e perante o qual os filósofos se manifestam pessimistas, tendo em conta tudo isso, aguardo ser confirmado no que sei, ainda “deste lado do túmulo”, e aguardo, na paciência do tempo, diante do stop proposto: “Espera só um pouco, havemos de lá chegar”.
É isso, acredito sinceramente que Peter Atkis não está longe do reino de Deus!... Sendo mesmo impossível provar que Deus não existe, é mais fácil, quase evidente, provar a Sua existência. O primeiro grande tratado que d’Ele nos fala abundantemente, um tratado que todos, mesmo os que não sabem ler, o podem soletrar e folhear, é, sem dúvida, a própria natureza com as suas iluminuras, os seus encantos e maravilhas, a sua diversidade e leis, a sua harmonia e beleza: “Os céus cantam a glória de Deus e o firmamento proclama a obra das suas mãos...” (Salmo 19). “O mundo intriga-me, e não posso imaginar que este relógio exista e não haja relojoeiro”, é um pensamento solto que anda por aí, atribuído a Voltaire. E mesmo que o relógio de quando em vez precise do relojoeiro, ele, depois de montado, funciona por si, autonomamente, tal como o universo.
A humanidade reconhece, admira e agradece todos os avanços científicos que têm dado resposta a tantas perguntas que o espírito humano faz e continuará a fazer. Fomos criados seres inteligentes, com capacidade para pensar, criar, amar e agir em liberdade. É sempre bom que haja cada vez mais dados, se façam novas experimentações, se formulem novas teorias, surjam novos e importantes conhecimentos que deem azo a mais avanços cientificamente esclarecedores, que a origem e toda a complexidade da criação seja descodificada para melhor a conhecermos, amarmos, contemplarmos e usufruirmos! Que bom!... Só na verdade nos encontraremos!... A verdade é sempre o caminho de Deus!... Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, disse-nos Jesus. E todos torcemos para que a ciência progrida e ajude a conhecer mais e melhor, não só a complexidade deste mundo, mas também os elementos do cosmos e as leis da matéria, o enigma de tantas outras coisas que nele existem e funcionam tão maravilhosamente. Pessoalmente acredito em Deus, sim. E embora me sinta mais que pequenino diante da ciência e dos seus avanços, avanços cada vez mais destemidos em rasgar autoestradas que o desenvolvimento humano usará, acredito também que não será pelos métodos da ciência que alguém possa chegar ao conhecimento de Deus ou O possa encontrar ou O possa negar. É possível, isso sim, que, um dia, a ciência resolva afirma-l’O perante o fascínio de tanta maravilha que descobre e vê, mas não sabe explicar. Deus, embora esteja lá, não se manuseia, não entra nem cabe em métodos de laboratório ou semelhantes. E se o mistério deste mundo e das coisas se pode ir esclarecendo através da ciência e dos seus métodos, o encontro com o mistério de Deus, só é possível através do amor. A própria vida, assim o acreditamos, “não é um simples produto das leis e da casualidade da matéria, mas em tudo e, contemporaneamente, acima de tudo, há uma vontade pessoal, há um Espírito que em Jesus se revelou como amor” (SpS5). O amor não vai contra a ciência, a ciência também precisa de amor. Só a sabedoria e a ciência que brotam do amor nos permitem penetrar no mistério de Deus, o mistério último que sustenta e dá sentido a toda essa realidade que a ciência nos mostra, e bem quando a favor do homem. Reconhecemos a legítima autonomia da ciência, louvamos e aplaudimos todo o progresso que ela proporciona à qualidade de vida da comunidade humana, mas também acreditamos que só o amor redime o ser humano.
Peter Atkins afirmou que “a filosofia e a teologia são ambas formas corruptas de entender o mundo”. Bem, são opiniões, há muitas formas de corrupção, é verdade. Entendo, porém, que melhor seria que elas fossem tidas, pela ciência, como companheiras de viagem nesta busca da verdade, já que a verdade não é monopólio de ninguém: nem das religiões, nem da ciência, nem da política, nem da economia, de ninguém. Todos somos verdadeiros, isso sim, na medida em que, honesta e humildemente, lutamos pela verdade e vivemos na verdade, reconhecendo, com amor, a verdade que também está nos outros. A fidelidade à pessoa humana reclama fidelidade à verdade, só a verdade nos liberta, só a verdade é garantia de verdadeiro progresso humano e humanizador, só a verdade fará que a humanidade se encontre e viva em paz.
Continuamos a ler e a ouvir, aqui e ali, na sequência de Nietzsche e de outros, os que proclamam a necessidade da morte de Deus ou quem parta já do princípio de que Ele está morto e bem morto. E tudo isto para que nasça o verdadeiro homem, pois, segundo eles, Deus, que não existe nem nunca existiu, é um obstáculo para a autonomia e o crescimento do homem e as religiões são resposta arcaica e ineficaz. Intriga-me saber como é que Alguém que morreu ou nunca existiu nem existe, como é que esse Alguém pode incomodar tanta gente, rica de tantos quereres e saberes, ao ponto de querer acabar com Ele, mesmo quando afirma que Ele nunca existiu nem existe!...
“Este é o herdeiro: vamos! matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança”, foi o plano dos vinhateiros (Mt 21, 38). E limparam-lhe mesmo o sarampo e o sebo, tiraram-lhe a tosse, mas não resolveram nada, só complicaram as suas vidas!...
O verdadeiro amor é sempre iluminado pela luz da razão e pela luz da fé. Deus arriscou, deu-nos capacidade, engenho e arte, confiou em nós a tarefa de esmiuçarmos e continuarmos a Sua obra. Assim enriquecido, o homem procura e descobre, explica e constrói, pode produzir e produz, e até já produz máquinas que se assemelham a homens. Por vezes, tudo isto espevita o seu orgulho e leva-o a cair na tentação de se querer colocar no lugar de Deus. É assim desde os primórdios da humanidade, com todas as consequências que isso tem provocado ao longo dos tempos. Mas, o que é certo, é que cada vez mais os homens se assemelham às máquinas, o amor não é amado, como repetia, chorando, São Francisco de Assis.
Celebramos a Solenidade de Cristo Rei do Universo. Um Reino que nos conduz a Deus em quem tudo começa e tudo acaba. Uma realeza que inverte a lógica do poder e da força na lógica da verdade e do serviço, por amor.
  + Antonino Dias - Bispo de Portalegre-Castelo Branco

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