domingo, 1 de dezembro de 2019

ADVENTO: DO POPULISMO AO PRESÉPIO

ADVENTO: DO POPULISMO AO PRESÉPIO
O tempo do Advento conduz-nos ao Natal. Se tem o sabor da expectativa, da esperança, da preparação e da partida ao encontro de quem se espera, também tem o sabor da vida que se disponibiliza, do coração que se abre, das rotinas que se transformam para acolher bem quem chega.
Quem está diante de nós para ser acolhido e Aquele de Quem vamos ao encontro, é Jesus Cristo. Já não é um desconhecido, é verdade. D’Ele já sabemos o que a história nos conta, o que os Evangelhos e a Comunidade Cristã nos testemunham, o que a fé e a oração nos dão a saborear de confiança e de sabedoria. Mesmo assim, Jesus Cristo tem sempre algo de novo a revelar a cada tempo e a cada pessoa. Tem história e é mistério. É conhecido e sempre surpreendente. Se misturarmos a nossa vida com a vida de Jesus, crescemos sempre. Aliás, esse é um dos grandes desafios do Advento. Muitas vezes, talvez procuremos Jesus apenas para que esta ou aquela situação fique resolvida. Jesus, porém, procura-nos, vem ao nosso encontro para permanecer sempre connosco.
A universalidade do acontecimento e do conhecimento de Jesus Cristo poderiam ter feito d’Ele apenas um fenómeno tipo populista, isto é, um fenómeno que aparecesse, desaparecesse e se desvanecesse, tão ao jeito dos nossos tempos. Mas, como a vida tem sempre de ser lida ”por dentro”, percebemos melhor que a universalidade de Jesus Cristo e do seu mistério é a expressão da verdade fundamental e da sabedoria que contém para a vida de todos. Jesus não é apenas uma verdade universal. É, sobretudo, uma verdade que se pode interiorizar e que se pode viver. Tem, nessa medida, outra substância que não apenas o brilho da aparência. Talvez, por isso, no meio de todo um universo a contracenar com a cultura light e populista, tenhamos um pequeno e simples espaço em Belém onde Jesus nasce e por onde Jesus entra na humanidade. Partindo daí, o horizonte é a humanidade inteira. A salvação é mais original que o pecado. Sabendo embora que a cultura light se carateriza pela busca da leveza e com tudo aquilo que isso reclama, também sabemos que o populismo quase sempre manipula ou mascara os olhares e o discernimento das prioridades. Parte de generalizações que absolutiza e incute soluções afuniladas, muitas vezes ao arrepio da realidade. Dá soluções automáticas e não constrói a consciência de “povo” ou de comunidade. Jesus Cristo, ao contrário do populismo, é sempre uma história de humanização. Porque assumiu ser homem, com Ele a humanidade vale muito mais. Assumir significa “fazer sua” a nossa humanidade.
Então é hoje que queremos acolher Jesus. Por muito ou pouco “passado” que tenhamos, por muito ou pouco “futuro” que esperemos, é “hoje” que Jesus vem ao nosso encontro. É hoje que O queremos acolher. Ele é sempre nosso contemporâneo. Como diz o Papa Francisco, dirigindo-se particularmente aos jovens, nós somos o “hoje” e o “agora” de Deus.
“Se és jovem em idade, mas te sentes frágil, cansado ou desiludido, pede a Jesus que te renove. Com Ele, não se extingue a esperança. E o mesmo podes fazer, se te sentires imerso nos vícios, em maus hábitos, no egoísmo ou na comodidade mórbida. Cheio de vida, Jesus quer ajudar-te para que valha a pena ser jovem. Assim, não privarás o mundo daquela contribuição que só tu – único e irrepetível, como és – lhe podes dar” (Francisco, CV, 109).
Ser o “hoje” de Deus significa que nada do que é humano é estranho a Deus. Então, encontrar-se com Jesus é reconstruir a vontade, a inteligência, os afetos, tudo. Quando Deus assume, em Jesus Cristo, a nossa humanidade significa que essa mesma humanidade é confirmada como o lugar onde Deus habita. E é extraordinário que, com as nossas fragilidades, Deus constrói uma história de amor. Nasce e atrai a Si, pastores, magos, homens de boa vontade; percorre os caminhos da Judeia e Galileia e os que O escutam sentem-se por Ele agarrados, sejam cegos, coxos, possessos ou gente em busca da verdade; sobe à cruz, ressuscita e faz entender que Ele é o caminho, a verdade e a vida.
O pequeno e simples espaço de Belém onde Jesus “teima” em nascer pode, pois, ser hoje o coração de tantos, particularmente dos jovens a quem a Igreja quer escutar mais e dedicar maior atenção. Parafraseando o texto da Exortação Cristo Vive, do Papa Francisco, Deus ama-nos, Cristo é o nosso Salvador, Cristo vive.
Deixar-se iluminar e transformar pelo encontro com Cristo e com o seu Evangelho é um desafio forte mas que todos, particularmente os jovens, podemos praticar no dia a dia.
O que faria Jesus se estivesse no meu lugar diante deste problema e por este motivo? Como agiria Ele confrontado com estes problemas? Que chamamento me faria?
Às interrogações vai sucedendo, a passo e passo, a resposta da presença de Cristo, presença que procurei, acolhi e me fez sentir encontrado. “O amor de Deus e a nossa relação com Cristo vivo não nos impedem de sonhar, não nos pedem para restringir os nossos horizontes. Pelo contrário, esse amor instiga-nos, estimula-nos, lança-nos para uma vida melhor e mais bela (...) A inquietude insatisfeita, juntamente com a admiração pelas novidades que surgem no horizonte, abrem caminho à ousadia que nos impele a tomar a nossa vida nas próprias mãos e a tornar-nos responsáveis por uma missão. Esta sã inquietude, que surge especialmente na juventude, continua a ser a caraterística de qualquer coração que permanece jovem, disponível, aberto. A verdadeira paz interior convive com esta profunda insatisfação. Dizia Santo Agostinho: «Senhor, criastes-nos para Vós e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós» (Francisco, Cristo Vive, 138).
E se este Advento culminasse numa história de amizade mais profunda com Jesus Cristo no Natal? E se deixássemos crescer ainda mais em nós a vontade de viver de Cristo e de experimentar os seus caminhos? E se ousássemos mais caminhos de fraternidade? E se nos comprometêssemos mais e fossemos corajosos anunciadores d’Aquele com Quem nos comprometemos?
A exuberância das nossas manifestações exteriores, para ser autêntica, está na saúde da raiz que, discretamente, nos alimenta porque nos liga ao que pode dar a vida. Vamos, seguramente, encontrar um lugar, dentro de nós, para acolher Cristo. O lugar que Maria e José tanto procuraram somos nós!
Antonino Dias
Bispo de Portalegre-Castelo Branco,

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