quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

As histórias de três padres raptados na Síria, Iraque e Iémen Dias de cativeiro


Ser raptado e sobreviver aos algozes. Lembrar o tempo de cativeiro e compreender
que foi a fé que sustentou os dias, sossegou o medo, fez lembrar o essencial. Jacques
Mourad, Douglas Bazi e Tom Uzhunnalil têm em comum essa experiência limite às
mãos de jihadistas. E aceitaram partilhar essa memória que é, também, um enorme
testemunho de fé.
Iraque, 2006. “Depois da Missa, ia visitar uns amigos, e, no caminho, de repente, dois
automóveis bloquearam a estrada à minha frente e fizeram-me parar. Saltaram muitos
homens, de rosto tapado e armados. Rapidamente abriram a porta do meu carro, puxaram-me
e meteram-me no porta-bagagens.”. O Padre Douglas Bazi estava a começar a viver uma das
experiências mais assustadoras da sua vida. Os raptores queriam um milhão de dólares por
ele, mas acabou por ser libertado sem que houvesse o pagamento de qualquer resgate. No
entanto, as marcas desses dias terríveis ficaram para sempre. Até hoje. Síria, 2015. “Naquele
dia, um grupo de jihadistas entrou no mosteiro de Mar Elian, onde eu vivia há 15 anos…”
Começa assim o desfolhar da memória de cativeiro do Padre Jacques Mourad. Esteve preso
durante cinco meses. Fugiu numa aventura que daria um filme de Hollywood. Mas isso é-lhe
irrelevante quando recorda as longas semanas em que foi prisioneiro de um dos grupos
jihadistas que puseram a Síria a ferro e fogo. Iémen, 2016. “Saí de casa das Irmãs [a caminho
do] lar de idosos, mas a meio ouvi dois tiros. Vi as outras duas [irmãs] serem alvejadas na
cabeça, por trás.” O Padre salesiano Tom Uzhunnalil nunca mais vai conseguir esquecer aquele
trágico dia 4 de Março. Raptado por terroristas, esteve 18 meses sem saber sequer onde se
encontrava…. Todos os dias era ameaçado. Todos os dias podiam ser o fim… Todos os dias
rezava.
Oração do Terço
Quando recordam os dias de cativeiro, estes três sacerdotes falam dos momentos íntimos de
oração como, talvez, os mais intensos que já experimentaram em toda a vida. Deixaram o
Padre Douglas nove dias sem comer nem beber. Esteve sempre algemado. É uma memória que
não o larga. “As algemas tinham exactamente dez argolas.” Os dedos do Padre Douglas iam
acariciando as argolas das algemas numa oração ininterrupta de “ave-marias”. Batiam-lhe,
massacravam-lhe o corpo, mas ele era livre. Não podiam prender a sua alma. Jacques Mourad
esteve preso cinco meses em 2015. Hoje, este monge de aspecto frágil e voz doce vive no
Curdistão iraquiano. Quando regressa a esses dias, a memória de Mourad detém-se sempre
nas Missas que celebrou no silêncio do seu coração. “Tinha sede de me unir a Jesus. Por isso,
celebrei sempre a Missa no meu coração e dei-lhe um nome: ‘A Missa da nostalgia’.
Simplesmente…” Também o Padre Tom não deixou de celebrar a Eucaristia apesar de estar
preso, apesar de estar só. Apesar até do medo. Também no seu caso os algozes nunca
descobriram o que aquele homem de olhar sereno estaria a fazer. Rezava. Rezava e continuava
livre. Não havia arma nem terrorista nem ameaça maior do que a força da sua fé. “Não tinha o
pão, nem o vinho, nem os livros… Então dizia as orações da Missa e pedia ao Senhor que
provesse espiritualmente o pão e o vinho.” Jacques Mourad, Douglas Bazi e Tom Uzhunnalil
estiveram presos às mãos de terroristas. Estiveram presos por serem padres, por serem
cristãos. São exemplo para todos nós. Exemplo de que a oração é sempre mais poderosa do
que o medo.
Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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