domingo, 5 de abril de 2020

UM PEDIDO: QUE DEUS ME DÊ TODOS OS DIAS UM ESPELHO!


               


    Há tempos, num consultório médico, aguardando a minha vez, vi entrar um amigo, um rapaz da minha idade, é bom dizê-lo, que já não via há uns anos. Um abraço e as perguntas habituais que se fazem amigos. Entretanto, reparei que a sua barba e o seu cabelo estavam alvinitentes. Quando cheguei a casa, depois de relatar a minha Mulher a consulta, disse-lhe quem tinha visto e com quem tinha conversado. Referi-lhe, com grande espanto que a barba e o cabelo deste amigo pareciam ter sido branqueados com farinha. Tinha os cabelos todos brancos! E a barba na mesma. E concluí: «Está velho!».
   Depois, sim poucos minutos depois, fui ao quarto de banho e dei comigo a olhar para o espelho. Afinal, para meu espanto, eu que não frequento muito espelhos, tinha os meus cabelos e bigode tão brancos quanto os do meu amigo!  Nunca me tinha dado conta da alvura dos meus “ adereços” capilares!  Nesse dia vi como os espelhos são importantes: fazem - nos falta os espelhos para nos vermos tal como somos! Não os espelhos de feira, côncavos ou convexos, ambos deformadores da realidade. Os espelhos que me ( nos) fazem falta são os planos que nos dão a nossa imagem verdadeira. Os espelhos de vidro , apercebi-me, fazem muita falta como falta me ( nos) faz falta o espelho da nossa alma, para o nosso íntimo, para o nosso ser pessoa. Fazem muito mais falta estes do que aqueles! E, por isso, peço frequentemente a Deus que me dê a vontade de me ver , por dentro, ao espelho. Um espelho para a minha alma que me mostre quem sou e, sobretudo, como sou.
    Vendo-me frequentemente ao espelho da alma, a minha consciência, vejo-me melhor: as minhas imperfeições, as minhas incoerências, os meus defeitos e, talvez, consiga enxergar algum aspecto recôndito menos mau. Chamava-se a este olhar, o exame de consciência, que a loucura da vida, a pressa de correr não se sabe muito bem para onde, a nova abordagem do pecado “ arquivou”.
   Este último espelho, tão urgente a recuperar, permite-me não acusar os outros pela sua aparente inércia, quando eu nada faço.
   Ainda agora, com este tremenda pandemia, se ouviram, viram e leram, muitas acusações à aparente indiferença e falta de atenção às carências hospitalares por parte da … Igreja. Estes críticos não sabem, logo à partida, o que é a Igreja, Corpo Místico de Cristo e Povo de Deus, todos os baptizados, e não as altas esferas da hierarquia ou as suas instituições. Pessoalmente, considero-me tanto Igreja como o meu Arcebispo, tendo cada um ministérios ( serviços) diferentes. Nem o Senhor Arcebispo nem eu somos mais ou menos Igreja. Ambos, porque baptizados, somos Igreja. Nesta temos é modos diferentes de sermos Igreja que se completam. Assim, os críticos, poderiam gastar mais tempo a olhar o que a Igreja faz pelos pobres, pelos sofredores, pelos abandonados, pelos que a sociedade que exaltam descartam e atiram para as periferias, pelas crianças abandonadas, pelos velhos esquecidos … e pelos que são atacados, agora, pelo malfadado Coronavírus. Estes mesmos críticos poderiam calcular o dinheiro ( têm uma grande preocupação com o dinheiro de que não dão um cêntimo!) que a Igreja oferece do que lhe dão, das horas e horas que a Igreja oferece aos mais necessitados, do saber que disponibiliza, das instalações que gere para o serviço daqueles de quem ninguém quer cuidar… Sim, gostava de ver esses críticos que sugerem que se venda isto ou aquilo, bens da Igreja, mas que não desatam os cordões da sua bolsa para nada ou que a Igreja dê para a aquisição deste ou daquele bem de que carecem os serviços do Estado, quase sempre muito mal geridos, mas não são capazes de se oferecerem para angariar esses fundos em falta.
   Faltam muitos espelhos interiores. Talvez seja esta uma das maiores carências desta sociedade fechada sobre si, hedonista, ipsista e consumista. Talvez se se olhasse mais para o nosso espelho, talvez tivéssemos uma sociedade menos crítica, mas passiva, e mais proactiva ao serviço do outro.
   Numa crise societal como esta, só me ocorre aquela famosa frase de John Kenedy: « Não perguntem o que a América pode fazer por cada um de vós, mas o  que é que cada um de vós pode fazer pela América».
   No fundo, peço a Deus que me dê sempre um espelho, onde me veja a mim, com os meus defeitos ( ter cabelos brancos não é defeito!) antes de ver os defeitos dos outros.

Carlos Aguiar Gomes

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