Há tempos, num consultório médico, aguardando a minha vez, vi entrar um
amigo, um rapaz da minha idade, é bom dizê-lo, que já não via há uns anos. Um
abraço e as perguntas habituais que se fazem amigos. Entretanto, reparei que a
sua barba e o seu cabelo estavam alvinitentes. Quando cheguei a casa, depois de
relatar a minha Mulher a consulta, disse-lhe quem tinha visto e com quem tinha
conversado. Referi-lhe, com grande espanto que a barba e o cabelo deste amigo
pareciam ter sido branqueados com farinha. Tinha os cabelos todos brancos! E a
barba na mesma. E concluí: «Está velho!».
Depois, sim poucos minutos depois, fui ao quarto de banho e dei comigo a
olhar para o espelho. Afinal, para meu espanto, eu que não frequento muito
espelhos, tinha os meus cabelos e bigode tão brancos quanto os do meu amigo! Nunca me tinha dado conta da alvura dos meus “
adereços” capilares! Nesse dia vi como
os espelhos são importantes: fazem - nos falta os espelhos para nos vermos tal
como somos! Não os espelhos de feira, côncavos ou convexos, ambos deformadores
da realidade. Os espelhos que me ( nos) fazem falta são os planos que nos dão a
nossa imagem verdadeira. Os espelhos de vidro , apercebi-me, fazem muita falta
como falta me ( nos) faz falta o espelho da nossa alma, para o nosso íntimo,
para o nosso ser pessoa. Fazem muito mais falta estes do que aqueles! E, por
isso, peço frequentemente a Deus que me dê a vontade de me ver , por dentro, ao
espelho. Um espelho para a minha alma que me mostre quem sou e, sobretudo, como
sou.
Vendo-me frequentemente ao espelho da alma, a minha consciência, vejo-me
melhor: as minhas imperfeições, as minhas incoerências, os meus defeitos e,
talvez, consiga enxergar algum aspecto recôndito menos mau. Chamava-se a este
olhar, o exame de consciência, que a loucura da vida, a pressa de correr não se
sabe muito bem para onde, a nova abordagem do pecado “ arquivou”.
Este
último espelho, tão urgente a recuperar, permite-me não acusar os outros pela
sua aparente inércia, quando eu nada faço.
Ainda agora, com este tremenda pandemia, se ouviram, viram e leram,
muitas acusações à aparente indiferença e falta de atenção às carências
hospitalares por parte da … Igreja. Estes críticos não sabem, logo à partida, o
que é a Igreja, Corpo Místico de Cristo e Povo de Deus, todos os baptizados, e
não as altas esferas da hierarquia ou as suas instituições. Pessoalmente,
considero-me tanto Igreja como o meu Arcebispo, tendo cada um ministérios (
serviços) diferentes. Nem o Senhor Arcebispo nem eu somos mais ou menos Igreja.
Ambos, porque baptizados, somos Igreja. Nesta temos é modos diferentes de
sermos Igreja que se completam. Assim, os críticos, poderiam gastar mais tempo
a olhar o que a Igreja faz pelos pobres, pelos sofredores, pelos abandonados,
pelos que a sociedade que exaltam descartam e atiram para as periferias, pelas
crianças abandonadas, pelos velhos esquecidos … e pelos que são atacados,
agora, pelo malfadado Coronavírus. Estes mesmos críticos poderiam calcular o
dinheiro ( têm uma grande preocupação com o dinheiro de que não dão um
cêntimo!) que a Igreja oferece do que lhe dão, das horas e horas que a Igreja
oferece aos mais necessitados, do saber que disponibiliza, das instalações que
gere para o serviço daqueles de quem ninguém quer cuidar… Sim, gostava de ver
esses críticos que sugerem que se venda isto ou aquilo, bens da Igreja, mas que
não desatam os cordões da sua bolsa para nada ou que a Igreja dê para a
aquisição deste ou daquele bem de que carecem os serviços do Estado, quase
sempre muito mal geridos, mas não são capazes de se oferecerem para angariar
esses fundos em falta.
Faltam muitos espelhos interiores. Talvez seja esta uma das maiores
carências desta sociedade fechada sobre si, hedonista, ipsista e consumista.
Talvez se se olhasse mais para o nosso espelho, talvez tivéssemos uma sociedade
menos crítica, mas passiva, e mais proactiva ao serviço do outro.
Numa
crise societal como esta, só me ocorre aquela famosa frase de John Kenedy: « Não perguntem o que a América pode
fazer por cada um de vós, mas o que é
que cada um de vós pode fazer pela América».
No
fundo, peço a Deus que me dê sempre um espelho, onde me veja a mim, com os meus
defeitos ( ter cabelos brancos não é defeito!) antes de ver os defeitos dos
outros.
Carlos Aguiar Gomes
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