terça-feira, 20 de outubro de 2020

NÃO É NECESSÁRIO LEGISLAR SOBRE A EUTANÁSIA!

 NÃO É NECESSÁRIO LEGISLAR SOBRE A EUTANÁSIA!

Mais uma vez junto a minha voz à de todos os que dizem NÃO à eutanásia e ao suicídio assistido, porque é uma interrupção voluntária do amor e da vida! Formamos um grande coral, pois são incontáveis as pessoas e entidades que dizem NÃO, nomeadamente a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros e o Conselho Nacional de Ética para Ciências da Vida. Estas e muitas outras entidades fazem questão de publicamente deixar claro que a lei da eutanásia e do suicídio assistido não encontra qualquer justificação que não seja a crença dos seus proponentes.
Junto o meu clamor e indignação aos que se perguntam: Como é possível que, num tempo de emergência em que a pandemia continua a alastrar, o Parlamento Português discuta a eutanásia?
Nas difíceis e imprevisíveis circunstâncias de crise pandémica em que vivemos, o que se pede aos deputados e a todos nós, é que velemos e zelemos para que sejam respeitados os direitos, já consignados em lei, associados à dignidade humana e que devem ser praticados durante o período em que se avizinha o fim da vida. Usamos conscientemente a expressão “fim de vida digno” em vez de “morte digna”.
Os direitos do fim da vida incluem: o direito aos cuidados paliativos, o direito a que seja respeitada a sua liberdade de consciência, o direito a ser informado com verdade sobre a sua situação clínica, o direito a decidir sobre as intervenções terapêuticas a que se irá sujeitar (consentimento terapêutico), o direito a não ser sujeito a obstinação terapêutica (tratamentos inúteis e desproporcionados, também designados como fúteis), o direito a estabelecer um diálogo franco e esclarecedor com os médicos, familiares e amigos; o direito a receber assistência espiritual e religiosa.
Apesar da pandemia, é preciso fazer tudo o que está ao nosso alcance para que sejam dadas respostas adequadas às necessidades dos doentes em fim de vida e terminais, que assentam essencialmente no alívio do sofrimento físico e psíquico, prestado por uma equipa devidamente capacitada, no apoio espiritual e no suporte afetivo através da família e amigos.
O sofrimento psíquico não deve ser menosprezado. Estes doentes apresentam com frequência perturbações depressivas que obrigam a uma terapêutica antidepressiva e a um adequado apoio psicológico. É importante que o doente sinta que não está sozinho, sinta que a sua vida tem sentido e que tem o apoio de uma equipa a tratar dele, o que, juntamente com o carinho da família e dos amigos, proporciona um precioso auxilio para contrariar o sentimento de isolamento e insegurança que ocorre com frequência nestes casos.
As necessidades espirituais (comuns a crentes e não crentes) e religiosas devem ser justamente valorizadas. O apoio que permite dar sentido ao sofrimento deve ser garantido a estes doentes.
Há que reafirmar com todas as forças que o direito à vida é indisponível. Não pode justificar-se a morte de uma pessoa com o consentimento desta. O homicídio não deixa de ser homicídio por ser consentido pela vítima. A inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24º, nº 1, da Constituição Portuguesa, não cessa com o consentimento do seu titular.
O direito à vida é indisponível, como o são outros direitos humanos fundamentais, expressão do valor objetivo da dignidade da pessoa humana. Também não podem justificar-se, mesmo com o consentimento da vítima, a escravatura, o trabalho em condições desumanas ou um atentado à saúde, por exemplo. É irrenunciável o direito à segurança social. Até em questões de menor relevo, como na obrigatoriedade de uso de capacetes de proteção ou cinto de segurança, no trânsito ou em determinados trabalhos, se manifesta a indisponibilidade de alguns direitos.
Para justificar a legalização da eutanásia e do suicídio assistido, há quem alegue que dessa forma o Estado não toma qualquer partido a respeito de conceções sobre o sentido da vida e da morte e respeita, apenas, a vontade e as conceções sobre o sentido da vida e da morte de quem solicita tais pedidos.
Não é assim. O Estado e a ordem jurídica, ao autorizarem tal prática, dando-lhes o seu apoio, estão a tomar partido, estão a confirmar que a vida permeada pelo sofrimento, ou em situações de total dependência dos outros, deixa de ter sentido e perde dignidade, pois só nessas situações seria lícito suprimi-la.
Quando um doente pede para morrer porque acha que a sua vida não tem sentido ou perdeu dignidade, ou porque lhe parece um peso para os outros, a resposta que os serviços de saúde, a sociedade e o Estado devem dar a esse pedido não é: «Sim, a tua vida não tem sentido, a tua vida perdeu dignidade, és um peso para os outros». Mas a resposta deve ser outra: «Não, a tua vida não perdeu sentido, não perdeu dignidade, tem valor até ao fim, tu não és peso para os outros, continuas a ter valor incomensurável para todos nós». Esta é a resposta de quem coloca todas as suas energias ao serviço dos doentes mais vulneráveis e sofredores e, por isso, mais carecidos de cuidados e amor; a primeira é a atitude simplista e anti-humana de quem não pretende implicar-se na questão do sentido da verdadeira «qualidade de vida» do próximo e embarca na solução fácil da eutanásia ou do suicídio assistido.
A legalização da eutanásia e do suicídio assistido são habitualmente apresentadas junto da opinião pública como mais um sinal de progressismo, numa linha de promoção da liberdade individual. Os opositores surgem como antiquados.
É importante recordar que a legalização da eutanásia e do suicídio assistido não são um progresso civilizacional, mas antes um retrocesso. A valorização e a defesa da vida humana em todas as suas fases foram instituídas, em grande parte, pelo cristianismo. O verdadeiro progresso da humanidade foi no sentido de criar leis e normas que defendam a vida humana e impeçam o mais forte de exercer o seu poder sobre o mais fraco (a abolição do infanticídio, da escravatura, da tortura, da discriminação racial, etc.). Uma sociedade será tanto mais justa e fraterna quanto melhor tratar e cuidar dos seus membros mais vulneráveis.
A quebra de um interdito fundamental (“não matar”) que estrutura, como sólido alicerce, a vida comunitária, não pode deixar de afetar a confiança no seio das famílias, entre gerações, e na comunidade em geral.
Há o sério risco de que a morte passe a ser encarada como resposta à doença e o sofrimento, já que a solução não passaria por um esforço solidário de combate a essas situações, mas pela supressão da vida da pessoa doente e sofredora, pretensamente diminuída na sua dignidade. E é mais fácil e mais barato. Mas não é humano!
Neste novo contexto cultural, o amor e a solidariedade para com os doentes deixarão de ser tão encorajados, como já têm alertado associações de pessoas que sofrem das doenças em questão e que se sentem, obviamente, ofendidas quando vêm que a morte é apresentada como “solução” para os seus problemas. E também é natural que haja doentes, de modo particular os mais pobres e débeis, que se sintam socialmente pressionados a requerer a eutanásia, porque se sentem “a mais” ou “um peso”.
É este, sem dúvida, um perigo agravado num contexto de envelhecimento da população e de restrições financeiras dos serviços de saúde que implícita ou explicitamente se podem questionar: para quê gastar tantos recursos com doentes terminais quando as suas vidas podem ser encurtadas?
Não podemos ignorar que entre nós uma grande parte dos doentes, especialmente os mais pobres e isolados, não tem acesso aos cuidados paliativos, que são a verdadeira resposta ao seu sofrimento. A legalização da eutanásia e do suicídio assistido contribuirá para atenuar a consciência social da importância e urgência de alterar esta situação, porque poderá ser vista como uma alternativa mais fácil e económica.
Não é preciso legislar sobre a eutanásia e sobre o suicídio assistido. O que precisamos, neste tempo incerto de pandemia, é de concretizar e cumprir o que já está legislado para que todos tenham uma existência feliz, apesar das lágrimas, e um fim de vida digno.
+Nuno Almeida, Bispo Auxiliar de Braga

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