segunda-feira, 5 de abril de 2021

O Pe. Carlos Nuno Vaz propõe um poema dramático para a Páscoa

O drama litúrgico “O ladrão e o querubim” é património da Igreja siro-oriental ou caldaica, que viveu em esplendor durante vários séculos, graças sobretudo à escola teológica de Nisibe, de onde procede santo Efrém. Atualmente, esta Igreja sofre perseguição no Iraque pelos fundamentalistas muçulmanos, que provocaram uma segunda diáspora. Um dos momentos mais dramáticos, vivido recentemente pela Igreja católica caldaica, foi o sequestro e assassinato de D. Paulo Faraj Rahho, arcebispo de Mossul, em 12 de março de 2008. (...)

Este diálogo de contraste e disputa entre o querubim e o ladrão, que as Igrejas de tradição siro-oriental conservamainda hoje e que é posto em cena no Domingo de Páscoa ou na manhã de Segunda de Páscoa, também chamada «do anjo» ou, mais exatamente, «do ladrão», é uma verdadeira celebração litúrgica, aliás muito popular, representada na igreja por dois diáconos, de acordo com um texto que remonta provavelmente ao século V. Tal texto é atribuível a Narsai ou, talvez com maior propriedade, a Efrém, e é precedido do canto de alguns salmos por parte do coro. (...) Esta forma litúrgica tem ainda hoje uma grande popularidade. E, nalgumas igrejas siríacas do Iraque, é mesmo celebrada diversas vezes durante o ano como sufrágio pelos defuntos. Os gregos veneram o bom ladrão como santo, já desde a antiguidade, no dia 23 de março. Os latinos, dando-lhe o nome de Dimas, celebram-no no dia 25 do mesmo mês. (...)

Não é apenas na igreja siro-oriental que se celebra o Bom Ladrão como figura do cristão e do ser humano, que encontra na cruz de Cristo a sua salvação. Muitos textos litúrgicos da semana santa das Igrejas orientais realçam o papel do Bom Ladrão como ícone maior do poder salvador da cruz. A própria liturgia bizantina insiste na relação entre o ladrão e a cruz: é a cruz que leva o ladrão à fé, que o torna teólogo, e o conduz ao paraíso. (...)

O drama litúrgico “O ladrão e o querubim” é património da Igreja siro-oriental ou caldaica, que viveu em esplendor durante vários séculos, graças sobretudo à escola teológica de Nisibe, de onde procede santo Efrém. Atualmente, esta Igreja sofre perseguição no Iraque pelos fundamentalistas muçulmanos, que provocaram uma segunda diáspora. Um dos momentos mais dramáticos, vivido recentemente pela Igreja católica caldaica, foi o sequestro e assassinato de D. Paulo Faraj Rahho, arcebispo de Mossul, em 12 de março de 2008. (...)
 
 https://www.snpcultura.org/citacoes/citacao_2485.jpgCitaçãoCitação

Bom ladrão, a imagem da esperança

À míngua de ícones da esperança, quem esperaria que o bom ladrão se tornasse imago spei (imagem da esperança)? Consciente disto mesmo, Bento XVI escreve: «Deste modo, na história da devoção cristã, o bom ladrão tornou-se a imagem da esperança, a consoladora certeza de que a misericórdia de Deus pode alcançar-nos mesmo no último instante; mais: a certeza de que, depois de uma vida transviada, a oração que implora a sua bondade não é vã. ‘O bom ladrão acolhendo, grande esperança me dais’, reza, por exemplo, também o Dies Irae».

Timothy Radcliffe, a propósito da famosa frase: «Hoje estarás comigo no Paraíso», interpreta-a de uma maneira diferente da habitual. Para ele, o ‘hoje’ de Jesus quer dizer que Deus tem um sentido do tempo diferente do nosso. «Deus perdoa-nos ainda antes de nós termos pecado, e Jesus promete levar aquele ladrão para o Paraíso antes ainda da sua própria ressurreição». E isto pelo facto de Deus viver no Hoje da eternidade. «A eternidade de Deus irrompe agora nas nossas vidas. A eternidade não é aquilo que acontece no fim dos tempos, depois de termos morrido. De cada vez que nós amamos e perdoamos, pomos um pé na eternidade, que é a vida de Deus».

Para o famoso autor dominicano, o «bom ladrão» consegue o Paraíso sem pagar nada por ele. No fundo, é como todos nós: «Apenas temos de aprender a aceitar presentes». Deus está continuamente a oferecer-nos a felicidade. «Nós temos de aprender a manter os olhos e as mãos abertos para podermos agarrá-la quando ela chega. Somos continuamente bombardeados pela felicidade que Deus nos atira: oxalá possamos ter a rapidez de visão suficiente para a localizar».

Qual é a felicidade que Deus nos oferece? A que é descrita como «Paraíso», uma palavra originária da Pérsia e que significa «jardim murado». Ora, toda a história do Evangelho é escrita no sentido de nós compreendermos que somos convidados a encontrar a nossa morada nessa felicidade. Deus compraz-se na nossa felicidade. Diz a cada um de nós quão maravilhoso é que existamos. «Nós podemos estar na presença de Deus com todas as nossas fraquezas e falhas, como o bom ladrão, e, mesmo assim, Deus continua a comprazer-se na nossa própria existência, prometendo-nos o Paraíso».

A felicidade significa «que nós partilhamos a complacência que Deus põe na humanidade. Significa que também devemos partilhar a dor de Deus frente ao sofrimento dos seus filhos e filhas. Não se pode ter uma sem o outro. A dor escava os nossos corações para haver um espaço onde a felicidade de Deus possa morar».

Contrariamente ao que poderíamos imaginar, o oposto da felicidade não é a tristeza. «É ter um coração de pedra. É recusarmo-nos a deixar que outras pessoas nos toquem. É envergar uma armadura que protege o nosso coração, impedindo-o de se comover. Para sermos felizes, temos de ser arrancados de nós mesmos, tornando-nos, por isso, vulneráveis. A felicidade e a dor verdadeira conduzem ao êxtase. Libertam-nos de nós mesmos, para nos comprazermos noutras pessoas e sentirmos dor pela sua dor. O mau ladrão recusa-se a isso. O bom ladrão atreve-se a fazê-lo, mesmo na cruz. E é por isso que pode receber o dom do Paraíso».

Carlos Nuno Vaz

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