Como cuidamos dos nossos avós?
A crise sanitária do Covid-19 mostrou o sofrimento de muitos anciãos nas nossas instituições de geriatria. Sem desejo de generalizar, e sem menosprezar o altruísmo de certas instituições – algumas delas religiosas –, constatamos que certos lares nasceram como simples negócio. Publicou-se, inclusive, que alguns pertencem a fundos “abutre”, que estão cotados em bolsa e poupam quanto podem.
Alguns dos nossos maiores morreram literalmente abandonados. Outros morreram sozinhos, numa cama de hospital, sem o calor de um familiar, atendidos por uma máquina ou, no melhor dos casos, por um agente de saúde que, além de fazer bem o seu trabalho, praticava as obras de misericórdia.
Disse-se que os lares eram espaços ideais que os maiores escolhiam porque preferiam uma vida solucionada, comida a horas e cama feita… Mas descobrimos que, em muitos casos, não era assim. De facto, a nossa sociedade opulenta e do bem-estar, ligada ao decréscimo da natalidade, à cultura urbana e à emancipação das gerações jovens, foi rompendo o ciclo natural da solidariedade geracional. Esta rutura levou, muitas vezes, a que se confinassem os nossos maiores em lares, depois de deles se ter tirado o máximo.
Trata-se de uma questão muito delicada. Na vida das famílias nunca se sabe com o que se vai deparar realmente. Por vezes, chegam doenças repentinas e torna-se muito difícil encontrar os caminhos mais adequados. Há pessoas dependentes que, geralmente, depois de grandes renúncias e sofrimentos, a única alternativa viável que se lhes apresenta é entrar num lar.
Mas, desgraçadamente, também há avós com boa mobilidade de corpo e mente que são levados para os lares, porque se considera que é a melhor solução, a melhor que a família inventa, simplesmente para conseguir um maior grau de uma mal denominada “liberdade”. Nesses casos, aprisiona-se o ancião longe dos seus familiares jovens, sem que se lhe possa oferecer apoio e conselho, fruto da sabedoria e experiência acumuladas com os anos. Mas também há avós a quem muito lhes custa aconselhar os mais jovens, acostumados que estão a mandar, dirigir ou impor os seus critérios.
Por tudo isto, seria conveniente uma revisão profunda da situação. Precisamos de recuperar o ciclo de solidariedade entre avós, pais e filhos, e não deixar os maiores mal arrumados no armazém de um lar. «O futuro do mundo está nesta aliança entre os jovens e os idosos», escreve o papa Francisco na mensagem para o I Dia Mundial dos Avós e Idosos (25 de julho de 2021).
Já Platão, na sua obra “A República”, afirmava que é na velhice que o ser humano desenvolve plenamente as suas virtudes morais, como a prudência e a sabedoria. Acrescentava que os jovens deveriam instruir-se virtuosamente, o que compreende um profundo respeito pelos maiores, que deviam, inclusive, ser tidos em conta para o governo da cidade.
Sem ir mais longe, a organização da Igreja primitiva, à imitação das comunidades judaicas, foi formulada em torno dos chamados “conselhos de anciãos”. Daqui vem precisamente a palavra “presbítero”, que, proveniente do grego, significa “ancião”.
Arcebispo de Tarragona, Espanha
In SIC
Trad./edição: Rui Jorge Martins
Imagem: zurijeta/Bigstock.com
Publicado em 24.07.2021
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