Uma guerra esquecida
“Há imensa gente na fronteira”, descreve a Irmã Beta Almendra, uma
comboniana na Diocese de Wau, Sudão do Sul. A Igreja deste país está a
preparar o acolhimento dos milhares de refugiados vindos do vizinho
Sudão, vítimas da guerra que começou a 15 de Abril, há apenas dois
meses, mas que parece já estar a ser esquecida.
Desde 15 de Abril que o Sudão está tomado por um conflito armado, extremamente
violento, entre as forças de dois militares rivais, o general Abdel Fattah al-Burhan, líder
das Forças Armadas, e o general Mohamed Hamdan Dagalo, que comanda as Forças de
Apoio Rápido (RDF). Desde que os primeiros combates eclodiram na capital, Cartum, já
morreram mais de 1.800 pessoas e há mais de dois milhões de deslocados e
refugiados. A situação é crítica no plano humanitário. Até ao momento, a esmagadora
maioria dos refugiados tem procurado abrigo nos países da região, Egipto, Chade,
Etiópia e, claro, Sudão do Sul. É neste contexto que a Igreja do Sudão do Sul [país que
ganhou a sua independência precisamente do Sudão em 2011] está a preparar o
acolhimento de todos os que fogem da guerra e pedem socorro. A Diocese de Wau,
onde está a Ir. Beta Almendra, está a mobilizar-se para o acolhimento de milhares de
pessoas traumatizadas pela violência e por uma caminhada longa e perigosa. “Nas
fronteiras há imensa gente, mas, claro, caminham a pé e pelo caminho há muitos
perigos.” Segundo relatos que chegaram à missão comboniana em Wau, muitos dos
refugiados que fogem da guerra “estão a ser assaltados”. “As pessoas já não vêm sem
nada, mas mesmo com esse nada ainda estão a ser roubadas… Está a ser uma viagem
muito difícil, com muitos, muitos problemas”, explica a religiosa portuguesa em
mensagem enviada para Lisboa, para a Fundação AIS.
“Todos têm família em Cartum…”
Para apoiar os refugiados que chegam do Sudão, a Diocese de Wau está a mobilizar-se
intensamente. O próprio Bispo, D. Matthew Adam Gbitiku, escreveu uma carta a todos
os sacerdotes e religiosas, a todas as congregações existentes localmente para se
mobilizarem para esta iniciativa. “O Bispo – tenho aqui na minha mão a carta que ele
escreveu, diz a Ir. Beta Almendra – pediu para que nós possamos ajudar os nossos
irmãos de Cartum. Pediu a todos, padres, religiosas, e aos leigos. E realmente a
mensagem é solidariedade com as pessoas de Cartum [a capital do Sudão]. Para fazer
isto, vamos organizar três ofertórios consecutivos nas Missas. Todos os fiéis leigos são
convidados a contribuir para que depois possamos mandar esse dinheiro, para ajudar
realmente as pessoas, os que ficam, os que estão e os que têm de vir embora.” Há
entre a população um sentido de enorme proximidade para com o Sudão. Não só pelos
laços históricos, mas também familiares. A Irmã Beta sublinha esse aspecto. “Todos
têm família em Cartum”, explica. A Fundação AIS tem vindo a acompanhar a evolução
dos acontecimentos no Sudão, procurando manter contacto com responsáveis da
Igreja neste país. As informações disponíveis apontam para um agravamento da crise
humanitária, com campos de deslocados e de refugiados completamente cheios e as
cidades cada vez com menos pessoas. Os mercados estão vazios, os alimentos são
escassos, falta água potável e o combustível rareia. Algumas igrejas foram também
atingidas durante os combates, tal como edifícios públicos, incluindo hospitais. Neste
cenário de caos, que se tem vindo a agravar de dia para dia, a Igreja está mobilizada
para o acolhimento dos que estão em fuga. Em Wau, no Sudão do Sul, a Irmã Beta
Almendra é um dos rostos dessa Igreja de mangas arregaçadas preparada para ajudar
os que chegam do outro lado da fronteira. “Vamos continuar a rezar por eles, e no
fundo, queremos ajudá-los e, enquanto congregações religiosas, vamos fazer o nosso
melhor para poder acolher os nossos irmãos no Sudão e em Cartum. Deus vos
abençoe”, diz a religiosa na mensagem enviada para a Fundação AIS.
Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt
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