«A morte da empatia humana é um dos
primeiros e mais significativos sinais de uma cultura nO caminho Da barbárie» (Hannah Arendt)
Irmã Maria
Helena Saraiva de Aguiar ( Madre Aguiar)
SILERE NON POSSUM
(Não me posso
calar – Sto Agostinho)
“Para destruir um povo é preciso destruir as suas
raízes.”
Carta aos meus
amigos – nº 63
BRAGA , 9 - NOVEMBRO - 2023
+
PAX
… Pois é! … é muito difícil escrever
ou falar sobre quem nos é muito querido e, sobretudo se é um familiar muito
próximo. Muito próximo do coração! É o caso desta minha Carta de hoje. Irei
esboçar o perfil de uma muito querido prima ( prima direita de minha Mãe) que é
para a minha família uma verdadeira tia ou Avó para os mais novos. Falo da
Religiosa Doroteia, Maria Helena Saraiva de Aguiar, mais conhecida pela “ Madre
Aguiar” que no passado dia 2 deste mês completou 110 anos!
Perfil desta minha Prima:
Religiosa: cumpridora,
com uma enorme Fé e uma Caridade imensa. Quando, durante a semana participava
na Missa da igreja de Nossa Senhora da Conceição ( Porto) nunca deixava de dar
uma palavra e manter uma conversa com as prostitutas que por ali deambulavam,
confortando-as, animando-as e … deixando-lhes … cigarros! Convicta mas cheia de
misericórdia. Coerente. Ainda hoje traz o seu hábito, com muito gosto caso
único a nível mundial na Congregação a que pertence.
Musical: tirou o Curso
Superior de Piano com 20 valores, no Conservatório de Lisboa quando tinha 17 anos. Nunca mais deixou de tocar várias
horas por dia, de dar aulas que só interrompeu com a Pandemia COVID19, para seu
imenso desgosto e que a abalou muito pois “ perdeu” os seus alunos, e
respectivas famílias de quem se tornava amiga. Por isso, todo o ano e,
particularmente do seu aniversário, tinha e tem imensos telefonemas de todo o
mundo e visitas que não acaba(va)m de a visitar no Colégio de Nossa Senhora da
Paz. Quando fez 100, a ESMAE - Escola
Superior de Música e de Artes do Espectáculo dedicou-lhe ( que repetiu nos seus
105 anos) uma grande surpresa: um concerto
com duas partes – uma em que intervieram actuais e antigos alunos e a
segunda um magnífico concerto que
o Professor Constantin Sandu, Professor Catedrático de Piano na Escola Superior
de Música e de Artes do Espectáculo – o ESMAE – no Porto, ofereceu à Irmã
Aguiar, no Domingo, dia 4, dia dos seus 100 anos, às 17 h, no Teatro “ Helena
Sá e Costa” ( que foi uma grande amiga) . No final foi convidada para jantar
e, imagine-se, escolheu Pizza e Coca-cola! Além desta homenagem, a Casa da
Música ofereceu-lhe até ao fim da sua vida dois bilhetes para todos os
concertos de piano aí realizados ( um para ela e outro para um acompanhante). A
revista “ As Artes entre Letras” (nº 113, 24 de Dezembro de 2013 )
dedicou-lhe com este título : “ Madre
Aguiar: a Música, dom de Deus “. Todos, sem excepção, dos seus antigos alunos,
ficaram e são seus amigos.
Cidadania : sempre actualizada! Monárquica indefectível. Com que
ternura e tristeza contava o que a Tia Perpétua ( minha Tia-Avó) lhe narrava
sobre o regicídio e como as duas acabavam a chorar! No seu 104 º aniversário SS
AA RR ao Senhores Duques de Bragança ofereceram-lhe uma fotografia da Família
Real autografada e com alegria a recebeu da representante da Causa Real do
Porto! Quando havia e há eleições ( sempre votou!) para que que o seu voto
fosse esclarecido, trocava opiniões comigo para a ajudar a dar o seu voto de
acordo com as suas crenças religiosas! Sempre informada, tinha e tem opinião
esclarecida e sempre decidiu pela sua forte convicção nos valores que defendia!
Nunca votou “ porque sim!). Do Chefe de Estado, recebeu esta mensagem que muito
enterneceu a homenageada:
“ Tenho o grato prazer de me associar aos que consigo festejam o seu
aniversário no dia 2 de novembro. Quero felicitá-la pela maravilhosa idade que
completa e pelo seu excecional percurso de vida ao serviço da educação artística, da comunidade e do
nosso país.
Como melómano, congratulo-me pelas várias
gerações de alunos que formou na admirável arte da música. Faço votos para que
o seu trabalho prossiga e o Colégio Nossa Senhora da Paz continue a beneficiar
da sua preciosa colaboração.
Abraço afetuoso
Marcelo Rebelo de Sousa “
Família: Conhecia o passado com imenso pormenor nunca esquecendo o seu
humor divertido, mas a sua grande ternura ia para a sua Avó Rosália (minha
Bisavó) e Tia Perpétua de quem falava com imenso amor e humor! Dos parentes
recentes, era um elo de ligação forte, recebia e dava notícias de todos. Nunca
esquecia um aniversário e quando passou a barreira dos 100 anos, enviava um
postal de felicitações com um ou dois dias de antecedência pois, dizia, “ tinha
receio de se esquecer!” Nos últimos dois /três anos, passou a telefonar. No que
me concerne, quero recordar o carinho e companhia que fez a minha Mãe quando a
doença forte e dura lhe bateu à porta ou, antes, no sofrimento horrível da
minha irmã mais nova. Não quero deixar de referir que, enquanto pôde,
participou em todas as festas da minha família. Recordo os poemas e música para
viola que compunha para um aniversário, Baptizados e outras festas onde nunca
faltava levando a sua felicidade alegre. Recordo que às 2 horas da madrugada,
no casamento da minha filha Rita, com 99 anos (ia fazer 100 poucos dias depois) se sentou ao
piano e sem pauta, tocou vária peças que galvanizaram as largas centenas de
convidados, sobretudo jovens e a ovacionaram durante largos minutos de pé! Quis, igualmente, tocar órgão na Missa / Festa
de casamento ( a horas nada tardias) dos meus outros três filhos. Transcrevo um
soneto que escreveu, em 2014, com quase 101 anos, para o aniversário de minha
Mulher que adoptou com familiar de sangue. Aqui fica:
Salve 21 de Junho de 2014!
Parabéns à Luisinha
Priminha de grande estima.
Em prosa? Mas… que ideia!...
É mais bonito com rima.
Parabéns ao seu Esposo
Aos filhos e aos netinhos
Parabéns da Prima velha
Com abraços e beijinhos.
Acabou-se a inspiração
Até sinto certa pena.
Mas … cem anos já é muito
P`rá pobre
Maria Helena
Cultura: Esta minha
Prima era e é um espanto ! Leitora compulsiva nos tempos vagos, lia
fluentemente em francês e espanhol, obviamente , em português. Lia livros e
revistas. Até leu Saramago de que me dizia: “ Não te escandalizes, mas ele
escreve muito bem!). Não, não me escandalizei. Espantei-me e muito. Passaram
pela sua leitura antigos e os mais modernos escritores portugueses e de todos
fazia uma crítica inteligente. Uma amiga e minha Mulher trocavam muito
frequentemente livros e revistas da “ realeza” que devorava e … devolvia sempre
com comentários e análise crítica. Era uma leitora inteligente!
O COVID19, isolando-a , fez-lhe muito mal pois
não conseguia entender a razão da sua “ clausura” e a falta das visitas dos familiares
e amigos. Tinha saudades dos seus alunos que teve até ao confinamento
obrigatório, desde os 27 anos quando professou como doroteia.
Pois é…. muito
difícil falar ou escrever sobre uma pessoa como Maria Helena Saraiva de Aguiar
e ainda por cima quando é nossa familiar próxima do coração! E tanto mais
difícil que o seu riquíssimo percurso de vida já ultrapassou os 110 anos!
Não quero nem posso
calar o desvelo fantástico com que é tratada pelas Irmãs da sua Congregação. Um
exemplo vivo e real a imitar por muitas famílias de sangue. Registo com
gratidão os gestos de amor e carinho com que as Irmãs a rodeiam.
A empatia da Maria Helena não deixa morrer a
cultura nem abre caminho à barbárie, para fraseando Hannah Arendt. Assim a
imitemos!
… Mas eu, que a conheço e amo há tantas
décadas, não poderia ficar calado, sobretudo quando quem tinha e tem a obrigação de reconhecer publicamente o seu
contributo para a cultura nacional não o faz! ( Ah! Não é jogadora da bola….).
SILERE NON POSSUM!
Carlos Aguiar Gomes
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