sábado, 28 de junho de 2025

 Reflexão sobre a Ruína dos Mosteiros



Há um silêncio que fere mais do que o grito da guerra: é o silêncio das pedras caladas, que em tempos cantaram louvores e hoje jazem em ruínas. É o eco morto do incenso que já não se eleva, o vazio deixado por monges expulsos, livros queimados, sinos calados. Quem caminha pelas ruínas de Glastonbury, Whitby ou Tintern Abbey, na Inglaterra, ou entre as pedras dispersas de Cluny, na França, não passeia apenas por monumentos antigos, mas por testemunhos de um mundo que foi profundamente ferido — um mundo cujos alicerces espirituais foram derrubados pelo poder secular.

A Cristandade medieval — apesar das suas imperfeições humanas — erguera, pedra sobre pedra, uma civilização onde Cristo era o centro e os mosteiros, os corações pulsantes. A oração dos monges sustentava o mundo. O canto do Ofício Divino unia o Céu à Terra. Nas suas bibliotecas, preservou-se o saber da Antiguidade. Nos seus campos, ensinou-se a trabalhar com dignidade. Nos seus hospitais, serviu-se os pobres. Nos seus claustros, forjaram-se almas santas.

Mas veio a tempestade.

:: Dissolução dos Mosteiros- Golpe no Corpo Místico ::

Na Inglaterra do século XVI, sob Henrique VIII, esse corpo foi ferido de forma profunda e calculada. A chamada "Dissolução dos Mosteiros" (1536–1541), orquestrada por Thomas Cromwell, foi mais do que uma reforma religiosa: foi uma expropriação, uma pilhagem, uma desconsagração. Em duas resoluções parlamentares — uma em 1536, outra em 1539 —, a Coroa apropriou-se de todos os bens da Igreja: edifícios, terras, bibliotecas, altares e obras de arte. Muitos locais foram simplesmente destruídos; outros, vendidos a nobres em troca de apoio político.

Porque o rei desejava controlar a Igreja? Por dinheiro, por poder, por orgulho. O Ato de Supremacia de 1534 declarou Henrique VIII como "Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra", rompendo com Roma e suprimindo a autoridade espiritual do Papa. Para legitimar o novo regime, era necessário apagar a memória do antigo: os mosteiros, sendo centros de fidelidade a Roma, eram os primeiros alvos. E eram também ricos: as suas terras, rendas e bibliotecas tornaram-se cobiçadas.

:: A Peregrinação da Graça: Resistência e Martírio ::

O povo do norte, mais fiel à velha fé, resistiu. Em 1536, dezenas de milhares participaram na "Peregrinação da Graça" — um protesto pacífico pela restauração da Igreja Católica e dos mosteiros. A resposta da Coroa foi brutal. Os líderes foram enforcados, as esperanças esmagadas. O abade de Glastonbury, Dom Richard Whiting, foi executado por se recusar a entregar o seu mosteiro. Muitos outros seguiram o mesmo destino.

A violência não foi apenas contra homens e edifícios, mas contra o próprio Espírito que animava aquela sociedade. A alma católica da Inglaterra foi desfigurada. Os mosteiros eram mais do que propriedades: eram fontes de caridade, de educação, de cultura, de fé. Com a sua extinção, os pobres ficaram desamparados, os peregrinos sem abrigo, os enfermos sem cuidados. E a paisagem inglesa, antes adornada de torres, claustros e hortos monásticos, passou a ostentar esqueletos de pedra e cinzas sagradas.

:: França e a Revolução: Um Eco Infernal ::

Séculos depois, em solo francês, assistiu-se a uma tragédia paralela. Durante a Revolução Francesa (1789–1799), a fúria anticlerical levou à destruição de milhares de igrejas, conventos e mosteiros. A catedral de Notre-Dame foi transformada em “Templo da Razão”; o que restava de Cluny foi vendido como material de construção. Milhares de religiosos foram expulsos ou mortos. Tal como em Inglaterra, a fé foi substituída por ideologias políticas, e o altar de Deus por tronos efémeros de homens.

:: Portugal: A Herança Esquecida ::

Também em Portugal, a ferida foi profunda. Em 1834, com a extinção das ordens religiosas pelo governo liberal, todos os mosteiros e conventos foram confiscados pelo Estado. Foi uma desolação nacional, que empobreceu espiritualmente o país. Muitos edifícios sagrados foram entregues ao abandono, vendidos, destruídos ou adaptados a funções profanas. O Mosteiro de São Bento, em Lisboa, tornou-se o Parlamento. A estação de São Bento, no Porto, ergue-se sobre as fundações de um antigo mosteiro de beneditinas. Os serviços camarários de Braga instalaram-se num convento de Agostinhos. O Mosteiro de Pitões das Júnias, outrora abrigo de monges cistercienses, jaz hoje como ruína silenciosa entre as montanhas. E, mais tarde, com a implantação da República em 1910, a perseguição intensificou-se, numa política laicista que atingiu altares, escolas e corações.

Os claustros outrora cheios de oração tornaram-se corredores administrativos. As bibliotecas sagradas foram dispersas. As relíquias de santos desapareceram. E com os monges expulsos, perderam-se também os ritmos de oração que sustentavam a pátria invisivelmente.

:: Consequências - O Vazio Espiritual da Europa::

Hoje, caminhamos entre ruínas. E não falo apenas das pedras, mas das almas. A Europa, outrora farol da Cristandade, tornou-se o continente do laicismo, do relativismo, do esquecimento do sagrado. As igrejas esvaziam-se, as vocações rareiam, a fé é relegada ao privado ou ridicularizada. Ao mesmo tempo, cresce o Islão, não por conversão espiritual autêntica, mas pelo vácuo deixado pela nossa apostasia.

É o castigo anunciado por tantos santos: quando os altares são destruídos, os demónios regressam. Quando a fé é traída, o mundo oscila.

:: Oração pelas Ruínas e Reconstrução da Fé:: 

É fácil chorar sobre as ruínas. Difícil é reconstruir com oração, penitência, sacrifício e fidelidade. Que a contemplação destas pedras feridas nos leve ao propósito de sermos nós próprios "pedras vivas" (1Pe 2,5) — fiéis, constantes, preparados para servir a Deus com toda a alma, como templos vivos do Espírito Santo.

Que a Militia Sanctae Mariae, e todos os que amam a Santa Igreja, vejam nestas ruínas não apenas uma tragédia passada, mas um apelo urgente à vigilância e à coragem espiritual. Porque cada mosteiro destruído grita por monges. Cada altar profanado clama por adoradores em espírito e verdade. E cada pedra caída espera por mãos que saibam rezar e reconstruir.

 

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