Reflexão sobre a Ruína dos Mosteiros
Há um silêncio que fere mais do que o grito da guerra: é o
silêncio das pedras caladas, que em tempos cantaram louvores e hoje jazem em
ruínas. É o eco morto do incenso que já não se eleva, o vazio deixado por
monges expulsos, livros queimados, sinos calados. Quem caminha pelas ruínas de
Glastonbury, Whitby ou Tintern Abbey, na Inglaterra, ou entre as pedras
dispersas de Cluny, na França, não passeia apenas por monumentos antigos, mas
por testemunhos de um mundo que foi profundamente ferido — um mundo cujos
alicerces espirituais foram derrubados pelo poder secular.
A Cristandade medieval — apesar das suas imperfeições
humanas — erguera, pedra sobre pedra, uma civilização onde Cristo era o centro
e os mosteiros, os corações pulsantes. A oração dos monges sustentava o mundo.
O canto do Ofício Divino unia o Céu à Terra. Nas suas bibliotecas, preservou-se
o saber da Antiguidade. Nos seus campos, ensinou-se a trabalhar com dignidade.
Nos seus hospitais, serviu-se os pobres. Nos seus claustros, forjaram-se almas
santas.
Mas veio a tempestade.
:: Dissolução dos Mosteiros- Golpe no Corpo Místico ::
Na Inglaterra do século XVI, sob Henrique VIII, esse corpo
foi ferido de forma profunda e calculada. A chamada "Dissolução dos
Mosteiros" (1536–1541), orquestrada por Thomas Cromwell, foi mais do que
uma reforma religiosa: foi uma expropriação, uma pilhagem, uma desconsagração.
Em duas resoluções parlamentares — uma em 1536, outra em 1539 —, a Coroa
apropriou-se de todos os bens da Igreja: edifícios, terras, bibliotecas,
altares e obras de arte. Muitos locais foram simplesmente destruídos; outros,
vendidos a nobres em troca de apoio político.
Porque o rei desejava controlar a Igreja? Por dinheiro, por
poder, por orgulho. O Ato de Supremacia de 1534 declarou Henrique VIII como
"Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra", rompendo com Roma e
suprimindo a autoridade espiritual do Papa. Para legitimar o novo regime, era
necessário apagar a memória do antigo: os mosteiros, sendo centros de
fidelidade a Roma, eram os primeiros alvos. E eram também ricos: as suas
terras, rendas e bibliotecas tornaram-se cobiçadas.
:: A Peregrinação da Graça: Resistência e Martírio ::
O povo do norte, mais fiel à velha fé, resistiu. Em 1536,
dezenas de milhares participaram na "Peregrinação da Graça" — um
protesto pacífico pela restauração da Igreja Católica e dos mosteiros. A
resposta da Coroa foi brutal. Os líderes foram enforcados, as esperanças
esmagadas. O abade de Glastonbury, Dom Richard Whiting, foi executado por se
recusar a entregar o seu mosteiro. Muitos outros seguiram o mesmo destino.
A violência não foi apenas contra homens e edifícios, mas
contra o próprio Espírito que animava aquela sociedade. A alma católica da
Inglaterra foi desfigurada. Os mosteiros eram mais do que propriedades: eram
fontes de caridade, de educação, de cultura, de fé. Com a sua extinção, os
pobres ficaram desamparados, os peregrinos sem abrigo, os enfermos sem
cuidados. E a paisagem inglesa, antes adornada de torres, claustros e hortos
monásticos, passou a ostentar esqueletos de pedra e cinzas sagradas.
:: França e a Revolução: Um Eco Infernal ::
Séculos depois, em solo francês, assistiu-se a uma tragédia
paralela. Durante a Revolução Francesa (1789–1799), a fúria anticlerical levou
à destruição de milhares de igrejas, conventos e mosteiros. A catedral de
Notre-Dame foi transformada em “Templo da Razão”; o que restava de Cluny foi
vendido como material de construção. Milhares de religiosos foram expulsos ou
mortos. Tal como em Inglaterra, a fé foi substituída por ideologias políticas,
e o altar de Deus por tronos efémeros de homens.
:: Portugal: A Herança Esquecida ::
Também em Portugal, a ferida foi profunda. Em 1834, com a
extinção das ordens religiosas pelo governo liberal, todos os mosteiros e
conventos foram confiscados pelo Estado. Foi uma desolação nacional, que
empobreceu espiritualmente o país. Muitos edifícios sagrados foram entregues ao
abandono, vendidos, destruídos ou adaptados a funções profanas. O Mosteiro de
São Bento, em Lisboa, tornou-se o Parlamento. A estação de São Bento, no Porto,
ergue-se sobre as fundações de um antigo mosteiro de beneditinas. Os serviços
camarários de Braga instalaram-se num convento de Agostinhos. O Mosteiro de
Pitões das Júnias, outrora abrigo de monges cistercienses, jaz hoje como ruína
silenciosa entre as montanhas. E, mais tarde, com a implantação da República em
1910, a perseguição intensificou-se, numa política laicista que atingiu
altares, escolas e corações.
Os claustros outrora cheios de oração tornaram-se corredores
administrativos. As bibliotecas sagradas foram dispersas. As relíquias de
santos desapareceram. E com os monges expulsos, perderam-se também os ritmos de
oração que sustentavam a pátria invisivelmente.
:: Consequências - O Vazio Espiritual da Europa::
Hoje, caminhamos entre ruínas. E não falo apenas das pedras,
mas das almas. A Europa, outrora farol da Cristandade, tornou-se o continente
do laicismo, do relativismo, do esquecimento do sagrado. As igrejas
esvaziam-se, as vocações rareiam, a fé é relegada ao privado ou ridicularizada.
Ao mesmo tempo, cresce o Islão, não por conversão espiritual autêntica, mas
pelo vácuo deixado pela nossa apostasia.
É o castigo anunciado por tantos santos: quando os altares
são destruídos, os demónios regressam. Quando a fé é traída, o mundo oscila.
:: Oração pelas Ruínas e Reconstrução da Fé::
É fácil chorar sobre as ruínas. Difícil é reconstruir com
oração, penitência, sacrifício e fidelidade. Que a contemplação destas pedras
feridas nos leve ao propósito de sermos nós próprios "pedras vivas"
(1Pe 2,5) — fiéis, constantes, preparados para servir a Deus com toda a alma,
como templos vivos do Espírito Santo.
Que a Militia Sanctae Mariae, e todos os que amam a
Santa Igreja, vejam nestas ruínas não apenas uma tragédia passada, mas um apelo
urgente à vigilância e à coragem espiritual. Porque cada mosteiro destruído
grita por monges. Cada altar profanado clama por adoradores em espírito e verdade.
E cada pedra caída espera por mãos que saibam rezar e reconstruir.
Há um silêncio que fere mais do que o grito da guerra: é o
silêncio das pedras caladas, que em tempos cantaram louvores e hoje jazem em
ruínas. É o eco morto do incenso que já não se eleva, o vazio deixado por
monges expulsos, livros queimados, sinos calados. Quem caminha pelas ruínas de
Glastonbury, Whitby ou Tintern Abbey, na Inglaterra, ou entre as pedras
dispersas de Cluny, na França, não passeia apenas por monumentos antigos, mas
por testemunhos de um mundo que foi profundamente ferido — um mundo cujos
alicerces espirituais foram derrubados pelo poder secular.
A Cristandade medieval — apesar das suas imperfeições
humanas — erguera, pedra sobre pedra, uma civilização onde Cristo era o centro
e os mosteiros, os corações pulsantes. A oração dos monges sustentava o mundo.
O canto do Ofício Divino unia o Céu à Terra. Nas suas bibliotecas, preservou-se
o saber da Antiguidade. Nos seus campos, ensinou-se a trabalhar com dignidade.
Nos seus hospitais, serviu-se os pobres. Nos seus claustros, forjaram-se almas
santas.
Mas veio a tempestade.
:: Dissolução dos Mosteiros- Golpe no Corpo Místico ::
Na Inglaterra do século XVI, sob Henrique VIII, esse corpo
foi ferido de forma profunda e calculada. A chamada "Dissolução dos
Mosteiros" (1536–1541), orquestrada por Thomas Cromwell, foi mais do que
uma reforma religiosa: foi uma expropriação, uma pilhagem, uma desconsagração.
Em duas resoluções parlamentares — uma em 1536, outra em 1539 —, a Coroa
apropriou-se de todos os bens da Igreja: edifícios, terras, bibliotecas,
altares e obras de arte. Muitos locais foram simplesmente destruídos; outros,
vendidos a nobres em troca de apoio político.
Porque o rei desejava controlar a Igreja? Por dinheiro, por
poder, por orgulho. O Ato de Supremacia de 1534 declarou Henrique VIII como
"Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra", rompendo com Roma e
suprimindo a autoridade espiritual do Papa. Para legitimar o novo regime, era
necessário apagar a memória do antigo: os mosteiros, sendo centros de
fidelidade a Roma, eram os primeiros alvos. E eram também ricos: as suas
terras, rendas e bibliotecas tornaram-se cobiçadas.
:: A Peregrinação da Graça: Resistência e Martírio ::
O povo do norte, mais fiel à velha fé, resistiu. Em 1536,
dezenas de milhares participaram na "Peregrinação da Graça" — um
protesto pacífico pela restauração da Igreja Católica e dos mosteiros. A
resposta da Coroa foi brutal. Os líderes foram enforcados, as esperanças
esmagadas. O abade de Glastonbury, Dom Richard Whiting, foi executado por se
recusar a entregar o seu mosteiro. Muitos outros seguiram o mesmo destino.
A violência não foi apenas contra homens e edifícios, mas
contra o próprio Espírito que animava aquela sociedade. A alma católica da
Inglaterra foi desfigurada. Os mosteiros eram mais do que propriedades: eram
fontes de caridade, de educação, de cultura, de fé. Com a sua extinção, os
pobres ficaram desamparados, os peregrinos sem abrigo, os enfermos sem
cuidados. E a paisagem inglesa, antes adornada de torres, claustros e hortos
monásticos, passou a ostentar esqueletos de pedra e cinzas sagradas.
:: França e a Revolução: Um Eco Infernal ::
Séculos depois, em solo francês, assistiu-se a uma tragédia
paralela. Durante a Revolução Francesa (1789–1799), a fúria anticlerical levou
à destruição de milhares de igrejas, conventos e mosteiros. A catedral de
Notre-Dame foi transformada em “Templo da Razão”; o que restava de Cluny foi
vendido como material de construção. Milhares de religiosos foram expulsos ou
mortos. Tal como em Inglaterra, a fé foi substituída por ideologias políticas,
e o altar de Deus por tronos efémeros de homens.
:: Portugal: A Herança Esquecida ::
Também em Portugal, a ferida foi profunda. Em 1834, com a
extinção das ordens religiosas pelo governo liberal, todos os mosteiros e
conventos foram confiscados pelo Estado. Foi uma desolação nacional, que
empobreceu espiritualmente o país. Muitos edifícios sagrados foram entregues ao
abandono, vendidos, destruídos ou adaptados a funções profanas. O Mosteiro de
São Bento, em Lisboa, tornou-se o Parlamento. A estação de São Bento, no Porto,
ergue-se sobre as fundações de um antigo mosteiro de beneditinas. Os serviços
camarários de Braga instalaram-se num convento de Agostinhos. O Mosteiro de
Pitões das Júnias, outrora abrigo de monges cistercienses, jaz hoje como ruína
silenciosa entre as montanhas. E, mais tarde, com a implantação da República em
1910, a perseguição intensificou-se, numa política laicista que atingiu
altares, escolas e corações.
Os claustros outrora cheios de oração tornaram-se corredores
administrativos. As bibliotecas sagradas foram dispersas. As relíquias de
santos desapareceram. E com os monges expulsos, perderam-se também os ritmos de
oração que sustentavam a pátria invisivelmente.
:: Consequências - O Vazio Espiritual da Europa::
Hoje, caminhamos entre ruínas. E não falo apenas das pedras,
mas das almas. A Europa, outrora farol da Cristandade, tornou-se o continente
do laicismo, do relativismo, do esquecimento do sagrado. As igrejas
esvaziam-se, as vocações rareiam, a fé é relegada ao privado ou ridicularizada.
Ao mesmo tempo, cresce o Islão, não por conversão espiritual autêntica, mas
pelo vácuo deixado pela nossa apostasia.
É o castigo anunciado por tantos santos: quando os altares
são destruídos, os demónios regressam. Quando a fé é traída, o mundo oscila.
:: Oração pelas Ruínas e Reconstrução da Fé::
É fácil chorar sobre as ruínas. Difícil é reconstruir com
oração, penitência, sacrifício e fidelidade. Que a contemplação destas pedras
feridas nos leve ao propósito de sermos nós próprios "pedras vivas"
(1Pe 2,5) — fiéis, constantes, preparados para servir a Deus com toda a alma,
como templos vivos do Espírito Santo.
Que a Militia Sanctae Mariae, e todos os que amam a
Santa Igreja, vejam nestas ruínas não apenas uma tragédia passada, mas um apelo
urgente à vigilância e à coragem espiritual. Porque cada mosteiro destruído
grita por monges. Cada altar profanado clama por adoradores em espírito e verdade.
E cada pedra caída espera por mãos que saibam rezar e reconstruir.
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