Somos seres de comunhão, de relação, de interdependência com os outros a quem nos dizemos e eles se nos dizem. Comunicar-se é socializar-se, é impossível viver sem comunicar. Muitas vezes, o que a palavra não diz é dito por outras formas de linguagem. Ora, a missão da Igreja também é comunicar, servindo-se de todos os meios possíveis. Sempre tomou isso a peito, mesmo que, por vezes, o pudesse fazer melhor e mais eficazmente. O Concílio Vaticano II, através do Decreto Inter Mirifica, estabeleceu o Dia Mundial das Comunicações Sociais, tendo como objetivo primordial chamar a atenção para o vasto e complexo fenómeno dos meios de comunicação social. Quem primeiro comemorou o Dia Mundial das Comunicações Sociais foi o Papa Paulo VI, em 7 de Maio de 1967, já lá vão 51 anos. Desde então, em cada ano, os Papas que se têm sucedido, têm publicado uma bela Mensagem, regra geral na festa de São Francisco de Sales, dia 24 de janeiro, padroeiro dos jornalistas.
A expressão fake news, normalmente “alude a informações infundadas, baseadas em dados inexistentes ou distorcidos, tendentes a enganar e até manipular o destinatário. A sua divulgação pode visar objetivos prefixados, influenciar opções políticas e favorecer lucros económicos”. Estas informações apresentam-se “como plausíveis”, são “falsas mas verosímeis”, “capciosas”, “hábeis a capturar a atenção dos destinatários”. Elas apoiam-se “sobre estereótipos e preconceitos generalizados no seio dum certo tecido social”. Exploram “emoções imediatas e fáceis de suscitar”, levando facilmente a que se “morda a isca”. Difundem-se rapidamente graças ao “uso manipulador das redes sociais e das lógicas que subjazem ao seu funcionamento”, de forma que “ganham tal visibilidade que os próprios desmentidos categorizados dificilmente conseguem circunscrever os seus danos”.
Muitas vezes, as pessoas, “dentro de ambientes digitais homogéneos e impermeáveis a perspetivas e opiniões divergentes”, acabam por se “tornar atores involuntários na difusão de opiniões tendenciosas e infundadas”, revelando “a presença de atitudes simultaneamente intolerantes e hipersensíveis, cujo único resultado é o risco de se dilatar a arrogância e o ódio”.
A desinformação, escondida “por detrás de milhões de milhões de perfis digitais”, baseia-se “muitas vezes sobre discursos variegados, deliberadamente evasivos e subtilmente enganadores, valendo-se por vezes de mecanismos refinados”. É uma espécie de lógica que se poderia definir “como a «lógica da serpente», capaz de se camuflar e morder em qualquer lugar”. É a lógica da serpente do Livro do Génesis (cf. 3, 1-15): sedução, argumentação falsa e aliciante.
A lógica das fake news torna-as “frequentemente virais, ou seja, propagam-se com grande rapidez e de forma dificilmente controlável, não tanto pela lógica de partilha que carateriza os meios de comunicação social como sobretudo pelo fascínio que detêm sobre a avidez insaciável que facilmente se acende no ser humano. As próprias motivações económicas e oportunistas da desinformação têm a sua raiz na sede de poder, ter e gozar, que, em última instância, nos torna vítimas de um embuste muito mais trágico do que cada uma das suas manifestações: o embuste do mal, que se move de falsidade em falsidade para nos roubar a liberdade do coração”.
Francisco cita Dostoevskij que, neste sentido, deixou escrito algo de notável: «Quem mente a si mesmo e escuta as próprias mentiras, chega a pontos de já não poder distinguir a verdade dentro de si mesmo nem ao seu redor, e assim começa a deixar de ter estima de si mesmo e dos outros. Depois, dado que já não tem estima de ninguém, cessa também de amar, e então na falta de amor, para se sentir ocupado e distrair, abandona-se às paixões e aos prazeres triviais e, por culpa dos seus vícios, torna-se como uma besta; e tudo isso deriva do mentir contínuo aos outros e a si mesmo» (Os irmãos Karamazov, II, 2)”.
Para nos defendermos contra o vírus das falsidades é preciso deixar-nos “purificar pela verdade” e, atraídos pelo bem e livres de ambição, sermos “responsáveis no uso da linguagem”.
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Antonino Dias
Vila de Rei, 11-05-2018.