quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A GRANDE FELICIDADE

Não pense o leitor que me vou debruçar sobre as eleições presidenciais. Não dou nada para esse “leilão”. Não, não merecem uma linha. Só uma palavra: m….!

O que me vai ocupar a atenção neste artigo tem a ver com um dos livros cuja leitura mais me cativou recentemente e que, graças à possibilidade de encomendar, de forma ágil e sem sair de casa, de livros via net. Esta enorme possibilidade permite-me de começar a ler o dito livro mal saiu em França. Estou a referir-me a “LE GRAND BONHEUR – vie des moines” do escritor-jornalista Niclas Diat (Fayard, Paris, Outubro de 2020).

Em 1972 passei com uns amigos franceses, que se iam despedir de uma filha que, com um grupo de estudantes da Sorbonne, ia iniciar a sua entrada num mosteiro beneditino tal como a maioria dos seus amigos que deixavam os estudos para ingressarem em diversas congregações. Quando parámos o carro, pelas 4 da manhã, noite ainda bem escura, ficámos a aguardar a chegada dos referidos jovens. Eram cerca de 50. Ficámos à espera encostados a um enorme edifício. Era o mosteiro de Fontgombault de que desconhecia tudo. Então, fui informado que era um antigo mosteiro beneditino que nada tinha alterado no pós-Concílio e tinha um grave problema: não havia já espaço para acolher novas vocações. Nessa época, isto era um espanto. Era a grande debandada dos religiosos e do clero diocesano. Dizia-me o meu querido amigo Dom Teodoro Monteiro, que já celebra Laudes no céu, e na altura era Dom Abade de Singeverga, que esse mosteiro era “muito fechado”. Respondi-lhe, com humor, que era verdade mas que se as portas estavam “fechadas”, os rapazes entravam pelos muros da cerca enquanto que os mosteiros que tinham “aberto as portas” saíam todos! Riu-se, um sorriso enternecedor, dizendo-me que talvez eu tivesse razão.

Ora bem, “LE GRAND BONHEUR” que acabei de ler, é precisamente sobre a vida neste mosteiro, da Congregação de Solesmes, que tem mais de 60 monges e fez já quatro novas fundações e reforçou com mais de uma dezena de monges o mosteiro francês de S. Paul de Wisques há muito poucos anos.

Nicolas Diat, o autor, de uma forma viva e empolgante, dialogando com o actual Dom Abade e com monges diversos, vai-nos contando como se vive, com felicidade, num mosteiro beneditino que tem a preocupação de seguir a Regra do Santo Patriarca, Bento de Núrsia. Na realidade, passando pelo Hospedeiro, Celeireiro, Bibliotecário, Noviços, Mestre destes, não há nenhuma tarefa monástica que lhe escape. Até a enorme preocupação de seguirem opções absolutamente ecológicas, onde não entram herbicidas ou pesticidas ou praticam a reciclagem no cultivo de tudo o que é necessário para confeccionarem mais 150 refeições diárias e viverem em verdadeira autarcia, tal como recomenda S. Bento que seja cada mosteiro. E como nos descreve o carinho com que são tratados os bois ou os porcos, as beterrabas ou as batatas, o vinho ou tratamento dos couros!... E todos felizes!

Para mim, o capítulo III, “Cantar, cantar sempre para Deus” é o mais belo de todos os capítulos deste magnífico livro. Nunca li nada tão belo e profundo sobre a riqueza espiritual deste canto, que é o canto oficial da Igreja e que tem sido, salvo raríssimas excepções, tão ignorado e sonegado aos crentes. O autor inicia este capítulo com esta frase que, só ela, vale tudo: “O canto gregoriano é uma odisseia.”. Ou “o gregoriano é doce como uma criança, frágil como uma flor, suave como uma cana. A sua profundidade dá-lhe uma armadura de incomparável solidez.” Ou “O canto gregoriano é um canto de amor, uma declaração poética” ou “O gregoriano é o lugar da oração”.

… Sim, o gregoriano é o lugar, o tempo, a dimensão e a intensidade da oração! Mesmo que não de saiba ou domine o latim, pois a melodia só por si, fala à nossa alma e “conecta-nos” com Deus.

Quando vejo tantos mosteiros beneditinos a preparem-se para encerrar (dos tais que abriram as portas, baniram hábitos, aboliram o gregoriano com o pretexto ingénuo (?) de cativarem jovens, esqueceram-se do que S. Bento estipula na Regra e da espiritualidade verdadeiramente beneditina…) este livro de Nicolas Diat deu-me a esperança de que, afinal, mesmo em minoria, o ideal beneditino não morreu nem morrerá.

“LE GRAND BONHEUR”, é, de facto, o retrato da grande felicidade, no silêncio operativo e orante. De uma comunidade viva e atractiva.

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Carlos Aguiar Gomes

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