Um Homem destes, com o seu perfil moral, não passa facilmente pela terra! Passou deixando um rasto que jamais se vai apagar da memória dos que com ele privaram nem das obras que deixou.
Tenho a certeza que S. Bento, a quem tão bem e tanto se dedicou no seu santuário de S. Bento da Porta Aberta (Rio Caldo), naquele dia 16 de Janeiro de 2019 lhe foi abrir a porta do céu.
Em obra que muito recentemente li (e a que tenho voltado inúmeras vezes) – LE GRAND BONHEUR - de Nicolas Diat, o autor descreve com imenso amor o quotidiano de um mosteiro, de um verdadeiro mosteiro beneditino – FONGOMBAULT - e dedica uma série de páginas ao Celeireiro, o monge que tem a seu cargo a difícil tarefa das finanças. Nicolas Diat remete-nos, para falar do Celeireiro, para o capítulo 31 da Regra do Padroeiro da Europa que refere, com clareza:
«… escolher-se-á para Celeireiro do mosteiro alguém que seja sábio, de carácter amadurecido, sóbrio, nem guloso, nem altivo, nem turbulento, nem injusto, nem negligente, nem pródigo, mas cheio do temor de Deus e que seja como um pai para toda a comunidade» .
E o autor interroga-se e interroga os seus leitores: “Que homem virtuoso possui tantas qualidades? Existe um só?”.
Na realidade, S. Bento, exige do Celeireiro um carácter e uma postura que não são muito correntes e, então nos dias de hoje, pior ainda! Com que diligência tem, o Celeireiro, de administrar tudo no quotidiano da vida monástica!
Ao longo de muitos anos pude constatar que o Cónego Fernando Monteiro reunia estas qualidades todas e, creio, não foi por acaso, que teve tantas e tão difíceis tarefas de Celeireiro a desempenhar quer no âmbito da arquidiocese, quer do Cabido, Paróquias que tão zelosamente administrou, obras de índole sócio-caritativa e, nos últimos anos, o rigor e caridade com que presidiu à Mesa Administrativa de S. Bento da Porta Aberta. Aqui, nestas funções, posso afirmar que ele foi um verdadeiro Celeireiro. Recordo, como se agora o estivesse a ouvir, quando se contavam as esmolas dos devotos e peregrinos, tarefa árdua, que me dizia sempre, como ar mais sério e intenso: «Este dinheiro deveria ser contado de joelhos!». Via em cada moeda o sacrifício de quem a tinha posto aos pés de S. Bento, as suas dores e o seu reconhecimento. Não, não era um dinheiro qualquer. Era a prova da gratidão de milhares de peregrinos e das suas aflições. Era “sagrado” e como tal tinha, e foi com ele, e tem sido, de ser administrado com rigor e respeito máximo por quem ali tinha depositado, quem sabe, o dinheiro de tantas privações. Sei que, também noutras funções agiu sempre assim e com um respeito inquestionável para com os seus superiores mesmo que nem sempre estivesse de acordo, sem deixar de dizer o que lhe ia na alma com franqueza e caridade. O Padre Fernando tinha, também o sentido vivido da obediência aos seus superiores, mesmo quando discordava.
Passados dois anos, todos os dias me recordo dele e procuro seguir-lhe os passos na dedicação e serviço.
O Cónego Fernando Monteiro, o nosso P. Fernando como gostava de ser chamado, não era um carreirista. Almejou em toda a sua vida só e simplesmente SERVIR, servir desinteressadamente, pondo o interesse dos pobres em primeiro lugar a quem se dedicou até ao fim da sua vida. Servia os pobres, todos e os pobres de todas as pobrezas, como se estivesse a servir o seu e nosso Senhor Jesus Cristo. Nunca ambicionou títulos e honrarias que via sempre com efémeras e que nada lhe diziam. A sua ambição e preocupação foi sempre aquela que S. Bento indica para o Celeireiro dos mosteiros: servir com rectidão, justiça, rigor, bom senso, desinteresse e deixando-se para o fim.
Este esboço de retrato ficaria incompleto, o que seria grave, se não referisse que, apesar destas virtudes acima indicadas, o P. Fernando era um Homem que amava a sã convivialidade. Também aqui era um Homem para os outros. Sabia, propiciava e saboreava com imenso prazer esses momentos. Com que alegria os partilhava com alegria e boa disposição com os seus amigos! A sua partida deixou um lugar vazio e é por causa deste vazio que não o esqueço. Faz-nos falta. Conforta-nos, porém, a “comunhão” dos santos e sei que ele estar ocupado, também connosco.
Que este Celeireiro com quem vivi tantos e tantos momentos de alegrias e de tristezas olhe por este pobre pecador e sua família, sem esquecer os seus amigos.
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Carlos Aguiar Gomes
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