SAUDADE E SAUDOSISMO
Saudade… sentimento que a língua portuguesa
criou e mantém e que não é de fácil tradução para qualquer outra língua numa só
palavra.
Saudade é mais do que nostalgia ou
sentimento de uma perda de alguém ou de alguma vivência.
Saudade é viagem do coração que começa no
aqui e agora e nos encaminha para o passado e nos torna presentes pessoas,
terras, alimentos ou canções. Temos, quase todos, saudades da nossa Mãe que já
partiu ou do Pai que também já não temos entre nós fisicamente. Temos saudades
de um determinado alimento confeccionado por alguém, temos saudades das
brincadeiras da infância ou temos saudades de um
estilo de vida… Temos saudades de tantas e tantas pessoas,
acontecimentos ou coisas! E, no meu pobre entender, que não sou filósofo, ter
saudades é saudável. A saudade alimenta-nos a memória do passado que nos foi
tornando no que somos hoje e do muito que hoje vivemos, iremos ter saudades amanhã.
A saudade não é paralisante. Não nos
bloqueia. Não impede que progridamos no caminho que no agora se vai abrindo
para o futuro.
Ter saudades é humanizante e só os humanos
têm saudades.
Quantas vezes, cada um de nós, que não
esteja amnésico, diz que tem saudades de tantos e tantos episódios da sua vida
, de pessoas com quem se cruzou, de estilos de vida como viveu… Ter saudades
não é doença. Ter saudades é vida, é sinal vital. Ter saudades é bom do bom que
passou e não volta. Ter saudades alimenta-nos, como carburante de um motor que
a vida é. Alguém poderá viver sem saudades? Creio que não!
… E o saudosismo? Bem, aí já tudo é
diferente. É uma ideologia que alguns professam de quererem ficar imobilizados
no passado e vivendo na lamentação de quem esquece que o “ tempo foge!” e não
volta atrás.
Mas saudosismo pode, e neste tempo, é insulto
com que determinados “ iluminados” atacam quem não pensa como eles que
ilusoriamente querem esquecer o passado, como tempo perverso e onde e de onde
nada vem de bom. É insulto para paralisar e amedrontar ou calar quem tem
saudades, mas não vive ( nem pode
viver) no passado mas que recorda com nostalgia o bom que o passado tem ou de
que mais gostava. Creio que ninguém terá saudades do mal, dos maus momentos, do
horrível e destroçador. Quem tem saudades não é um doente nem sofre de uma
patologia que precisa de cuidar e tratar. Só tem saudades quem vive.
Quantas vezes, eu já ouvi muitas vezes,
muitas pessoas que insultam quem não pensa como eles relativamente a vivências
que caducaram ou foram modificadas e de que guardam uma boa recordação sem que
tal acarrete mal ao mundo e que gostariam de ver reviver! Quantas! Quantos “
corações” cheios de misericórdia(?) insultam sistematicamente todos os que não
pensam como eles, os “ detentores” da verdade, da sua verdade e mundividência!
“ São uns saudosistas!”, é chavão insultuoso
muito usado por quem deveria ter “ tento na língua”! Não é maneira de chamar
velho a quem não segue os “ diktat” que enxameiam as suas cabeças? E eu conheço
tantos jovens que não têm saudades , pois a sua idade não lhes permitiu viver
aquilo de que gostam e apreciam e que, de todo, não os remete para esse passado
não vivido. Gostam, apreciam e defendem paradigmas nunca por eles vividos e que,
um dia, viram e vivenciaram, o bastante para os fascinar! Mas esses jovens,
imagine-se a estupidez de mentes “ abertas” são insultados como “ saudosistas”.
Sei o que estou a escrever e do que estou a escrever. E este insulto parte
muito frequentemente de quem não tem o direito de impor o seu gosto tantas
vezes discutível. Quando estou a escrever este texto, estou a pensar em casos
concretos recentes.
Poderia e deveria ser mais explicito. Também
queria sê-lo. Poderia dar inúmeros exemplos do uso do insulto “ saudosista”.
Mas não gosto de ser apodado (e tenho-o sido) de saudosista, insulto que me incomoda
muito pois, se tenho saudades ( e tenho muitas) não sou um velho doente que
lamenta viver no hoje doente e “ gasoso” e que me inquieta profundamente. Sim,
tenho saudades. Muitas. Sinto-me ofendido de ser insultado de saudosista e
tenho dificuldade em perdoar este insulto que está cheio de veneno e é
proferido por bocas que pensam ser melífluas. E sinto este insulto proferido
contra outras pessoas como profundamente agressivo e falho de argumentos por
parte de quem não quer ver e compreender o caos em que se vive. O chavão “ saudosista” é senha para nos
calarmos com medo, não duvide caro leitor. Tenha saudades! Diga que as tem
e não tenha medo. Viva no hoje com saudades. Faz-lhe bem.
Carlos Aguiar Gomes
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