«… mas , com a afirmação lente e progressiva do secularismo, correm o risco
de reduzirem-se a meros vestígios do passado. Muitos já não conseguem integrar
a mensagem evangélica na experiência diária…» ( S. João Paulo II Magno,
in Ecclesia in Europa - 2003)
SILERE NON POSSUM
(Não me posso
calar – Sto Agostinho)
“Para destruir um povo é preciso destruir as suas
raízes.” (Alexandre
Soljenitsyne)
Carta aos meus
amigos – nº 47
BRAGA ,20 –
JUlHO - 2023
+
PAX
Leio, sempre com
imenso interesse, nem sempre concordando, na revista-suplemento « LUZ.» do
semanário Novo Nascer do Sol as
cartas- artigo trocadas entre Alice Vieira e o seu neto Nélson Mateus. A
ternura, a actualidade e a memória fazem um casamento feliz! Ambos me deliciam
com a sua prosa.
No número d 26 de
Maio p.p., os autores deram à sua troca de correspondência o título « Ai
coração». Uma delícia de escrita!... Mas que me deu que pensar! E muito. Vou
transcrever um pedaço da prosa de Alice Vieira, que escreveu a partir de uma
conversa que ouviu na esplanada de um café da Ericeira, a “ sua “ praia, entre
uns pais e uma criança. Eis um pedaço da dita conversa que a autora transcreve
“ ipsis verbis”:
« Ele ( o Pai): “ Por que é que há pessoas que agora não comem carne?”
Ela ( a Mãe): “ Acho que é por
causa da Quaresma”
Ele: “ O que é a Quaresma?”
Ela: “ Não sei bem , mas acho que é uma seita terrível que existe na
China.”
E o artigo
continuava . A mim, nado , criado e “ estudado” em Portugal, lendo esta “ douta
e sábia” conversa, estarreci! Se não fosse a autoridade intelectual da autora
do citado texto epistolar, não acreditaria. Até por que os “ dialogantes”
seriam portugueses, provavelmente jovens adultos e já pais de uma criança que
os acompanhava e ouvia o diálogo, captando sem dúvida, atento ao alto nível cultural paterno/materno.
Para mim, como para
Alice Vieira, não está em causa a ignorância incrível, do significado religioso e espiritual do que é a
Quaresma nem a sua etimologia e história ligada intrinsecamente ao cristianismo
e ao povo judeu. O que já de si seria muito grave. Choca-me a ignorância
profunda do sentido de um período do ano da nossa cultura judaico-cristã!
Aqueles indivíduos
nunca se deram conta das inúmeras procissões que ocorrem em todo o país na
Quaresma? Nunca se aperceberam de que há , no final desse período, a 6ªfeira
Santa, feriado? Nunca viram as retransmissões televisivas de Roma? Nunca
ouviram dos seus pais/avós narrativas do que era o Domingo de Páscoa e, se eram
do Norte, da Visita Pascal ou Compasso tão cheio de alegria, de foguetes e
bandas de música? Nunca comeram os famosos “ Folares” que quase só se vendem
nesta época e que enchem pastelarias e são fonte de feiras de Norte a Sul do
nosso país? Nunca ouviram cânticos populares alusivos à Quaresma difundidos em
todas as rádios? Nunca ouviram, não nunca ouviram, por exemplo, a « Paixão
segundo S. Mateus» do imortal Bach?
A Quaresma passa ,
para cada vez mais pessoas, como mais um tempo de ir à praia, beber umas “ bejecas”
e aproveitar para dormir mais no feriado de 6ª f Santa! Ou ir , até de
madrugada, a uma qualquer discoteca “ abanar o capacete”.
«Muitos
já não conseguem integrar a mensagem evangélica na experiência diária…». Nem numa simples dimensão cultural!
O Ocidente apostatou. Paganizou-se quase
integralmente. O número de baptizados tem diminuído sistematicamente e muitos
dos que acontecem , não passam de “Actos Sociais” de convivialidade e
ostentação de “ toilettes”, e também não têm continuidade. O abandono dos actos
de culto católicos está em queda livre. Ainda vai havendo casamentos “ pela
Igreja” :a cerimónia é bonita, o desfile de vaidades é chique e a festa de
arromba que vem a seguir nunca será de perder… os funerais ainda se passam no
templo como uma boa “ passerelle” para mostrar-se aos amigos… Enfim os “
sacramentos sociais” ainda vão resistindo, cada vez mais manos sacramentos e
mais tempo de convívio, apesar da sua diminuição.
Ah! E vai-se muito a Fátima, não se sabe bem
fazer o quê, mas sempre se vê muita gente e, quem sabe?, a “ santinha” é capaz
de não se importar mesmo que não se visite o centro de Fátima - Jesus no
sacrário.
Como posso calar-me face a esta apostasia
generalizada ?
Como posso ficar indiferente perante este
neo-paganismo invasivo ?
Como posso calar-me perante esta perda de
memória colectiva?
«Para
liquidar os povos ( …) começa-se por lhe retirar a memória. Destroem-se os seus
livros, a sua cultura, a sua história. Alguém escreverá outros livros,
dar-lhe-á uma outra cultura e inventa uma outra história.» ( Milan Kundera ) .
É no que já estamos! Inebriados pela net. O nosso cérebro lavado
pelo pensamento Woke.
Como posso ficar calado face à « CRISE DA
MEMÓRIA E HERANÇA CRISTû? ( S. João Paulo II Magno.l.c.pág15)
SILERE
NON POSSUM!
Carlos Aguiar Gomes
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