NIGÉRIA: “A situação é terrível”, descreve sacerdote após o massacre de quase 200 cristãos no Natal
Lisboa, 29 de
Quase duas centenas de cristãos foram “sumariamente mortos” por militantes Fulani que atacaram 26 aldeias no estado de Plateau, no centro da Nigéria, entre os dias 23 e 26 de Dezembro. A violência foi enorme. Casas e colheitas foram destruídas, as igrejas e os postos de saúde incendiados. A presidente internacional da Fundação AIS fala destes cristãos como os “santos inocentes do século XXI”. Aos poucos, vão-se conhecendo os pormenores deste verdadeiro massacre de Natal.
O padre Andrew Dewan é o responsável da comunicação da diocese de Pankshin, situada no estado de Plateau, na região centro da Nigéria, e tinha celebrado a missa de Natal em Tudun Mazat poucas horas antes de homens armados terem irrompido pelas ruas aos tiros, matando indiscriminadamente quem por ali se encontrasse. Foi tudo muito rápido. Os habitantes da aldeia, conta-nos o sacerdote, nem tiveram tempo para dar o alarme.
“Os atacantes invadiram a comunidade ao fim da tarde, precisamente na altura em que a maioria das pessoas estava a jantar e as que já tinham terminado estavam a visitar amigos. Antes que as pessoas pudessem dar o alarme, os bandidos já estavam em cima delas. As pessoas foram sumariamente baleadas e mortas, as casas e o milho que tinham sido colhidos foram incendiados, as igrejas e as clínicas também foram incendiadas. Nessa manhã, tinha ido a esta mesma comunidade para a missa de Natal da comunidade católica.” - Padre Andrew Dewan
ATAQUES COORDENADOS E DELIBERADOS
“De Tudun Mazat, os terroristas Fulani desceram sobre Maiyanga, matando treze pessoas. Cerca de 20 outras comunidades foram atacadas nessa noite”, explica o sacerdote. A primeira aldeia a ser varrida pelos Fulani foi Mushu. Ainda era de noite. Pelo menos 18 pessoas foram aí assassinadas e várias ficaram feridas.
Para o padre Andrew, que vive nesta região, não há dúvidas sobre a identidade dos atacantes nem o alvo da violência. Foram ataques “bem coordenados e deliberados, visando especificamente comunidades cristãs”.
O depoimento deste sacerdote é muito relevante. Ele vive na região, conhece estas aldeias e já falou com algumas das pessoas que sobreviveram aos ataques. “Todos foram categóricos em afirmar que se trava claramente de milícias Fulani, ou de mercenários, como alguns relatos também alegaram.”
A certeza das palavras do padre Andrew radicam no facto de os atacantes terem escolhido os alvos quase casa a casa, pessoa a pessoa. “Nas comunidades onde os cristãos vivem lado a lado com os Fulanis, não foi afectada nenhuma pessoa Fulani e nenhuma casa Fulani foi queimada, pelo que não há dúvida de que os atacantes eram Fulanis”, disse à Fundação AIS.
CONFLITO RELIGIOSO E SENTIMENTO DE REVOLTA
Os pastores muçulmanos Fulani são originários da região do Sahel, que em tempos foi habitável e tinha pastagens para os criadores de gado, mas que agora é praticamente um deserto, o que os levou a deslocarem-se cada vez mais para para sul, para pastagens mais verdes.
É nesta zona conhecida como ‘Middle Belt’, ‘cintura central’, que se registam estes ataques dos pastores Fulani, procurando obter terras sem restrições e expulsando assim os habitantes locais que são maioritariamente cristãos. Para o responsável da comunicação da diocese de Pankshin, o facto de o ataque a estas aldeias ter ocorrido no Natal mostra também que este é um conflito religioso.
“Este ataque prova que se trata claramente de um conflito religioso. O facto de ter ocorrido no Natal e o facto de visar deliberadamente os cristãos numa comunidade mista, onde os muçulmanos não são atacados, tem claramente todas as características de um conflito religioso. Sei que nem toda a gente gostaria de o admitir, mas, para mim, que estive no terreno, a observar e a escrever sobre o assunto, tem as marcas de um conflito religioso.”
Além do mais, há ainda um sentimento de revolta por não ter havido medidas preventivas por parte das autoridades, até pelo facto de terem circulado rumores de que algo de muito grave se estava a preparar.
“Havia rumores nos principais meios de comunicação social e nas redes sociais de que os Fulanis iam atacar e que o objetivo era infligir dor e o máximo de destruição aos cristãos”. Mas nada foi feito. “Estamos a chegar a um ponto em que, se não se fizer nada de drástico face a esta tempestade que se aproxima, a tendência para as pessoas fazerem justiça pelas próprias mãos é muito forte”, adverte o sacerdote.
“OS SANTOS INOCENTES” DO SÉCULO XXI
A presidente executiva internacional da Fundação AIS, Regina Lynch, lamentou já este novo episódio de violência contra os cristãos na Nigéria e recorda que este ano tem sido particularmente dramático para esta comunidade religiosa.
“Este ano começou com o assassinato brutal do Padre Isaac Achi, a 15 de Janeiro [queimado vivo num ataque à sua paróquia, Kafin-Koro, na Diocese de Minna], e termina agora com a morte sem sentido de mais de 160 cristãos. Inúmeros outros perderam a vida devido à violência ao longo do ano. Apelamos ao governo para que enfrente finalmente este problema e garanta a segurança dos seus cidadãos, e pedimos aos nossos amigos e benfeitores que continuem a rezar pela Nigéria, tal como nós nos comprometemos a continuar a ajudar da forma que pudermos”, afirmou.
Para Regina Lynch, “os nossos irmãos e irmãs cristãos na Nigéria e noutros países do mundo são os ‘santos inocentes’ do século XXI”. “Estamos confiantes de que o seu sangue derramado como seguidores de Jesus será a semente de novos cristãos”, acrescentou.
NIGÉRIA, UM PAÍS PRIORITÁRIO
A Nigéria é um país prioritário para a Fundação AIS. Além dos terríveis conflitos causados pelos pastores nómadas Fulani, os cristãos são vítimas também, especialmente no norte do país, de ataques por parte dos terroristas do Boko Haram e do grupo Estado Islâmico da África Ocidental.
Além da ajuda que é dada às comunidades cristãs, é importante também para a fundação pontifícia a sensibilização da opinião pública para esta situação que praticamente é ignorada pela Comunicação Social.
Na Quaresma deste ano, por exemplo, foi promovida aqui em Portugal, e também a nível internacional, uma campanha de apoio à Igreja deste país africano. Um apoio que, como se viu agora no Natal com este ataque, é mais urgente do que nunca.
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