segunda-feira, 20 de outubro de 2025

 


O PADRE BERNARDINO BARROS – GOMES

Sou um leitor viciado! Desde os meus onze anos que tenho e mantenho um gosto imenso por ler. E, como se popularmente se diz que “burro velho não toma andadura e se a toma pouco lhe dura”, com a idade que tenho, já não tenho emenda. Quando vejo uma livraria não resisto a entrar e procurar... muitas vezes sem saber o que procuro, um livro que me desperte a atenção.

Há poucas semanas, quando regressava a casa de Lisboa, na estação de Santa Apolónia, onde há uma livraria que conheço há anos, lá entrei com a minha curiosidade comigo. Entre os vários livros que comprei, um, particularmente, chamou a minha atenção e que já li. Trata-se de uma obra do Padre Bráulio Guimarães, CM, que, de todo, não conhecia e o título é: “Padre Barros-Gomes – vítima da república”, personagem para mim, totalmente desconhecida (edição da “Aletheia” de 2006 e com um excelente prefácio do Cardeal Dom Manuel Clemente).

São 390 páginas de bom português e, do ponto de vista do rigor científico, magnífico, pois todas as citações, e são 531, confirmam o que o autor vai escrevendo.

Mas quem é este mártir da nossa 1ª República, um dos primeiros mártires barbaramente assassinado logo a 5 de Outubro de 1910, vil e inocentemente torturado por… ser padre?

A vida de Bernardino Barros-Gomes vai de 30 de Setembro de 1839 a 5 de Outubro de 1910. Nasceu em Lisboa no seio de uma família burguesa, onde recebe uma educação normal para a época e para aquele grupo social e em que a formação religiosa se fazia mais de ritos do que de doutrina.

A seguir, a sua vida académica passa, centralmente, por Coimbra e Alemanha. Torna-se um Engenheiro Silvicultor, como seria chamado hoje. Tem uma paixão enorme por plantas, área em que se pode considerar um sábio. A sua passagem pela Alemanha traz-lhe uma visão arejada e inovadora na área florestal e que o vai tornar uma referência nacional. Desempenha vários cargos importantes nas matas nacionais e escreve relatórios e projectos que são considerados obras-primas.

Na sua curta, mas produtiva passagem pela Alemanha, traz também a sua esposa, uma senhora alemã luterana, com quem viveu casado 13 anos e de quem teve três filhas. Apesar de passar muitas vezes longos períodos fora do seu lar, tem sempre o cuidado de escrever assiduamente à sua mulher, que muito amava, e às filhas. Sempre atento à educação destas, que queria bem formadas para um futuro que não impunha.

Quer para a mulher, de religião diferente, nunca se cansou de lhe fazer chegar mensagens claras e respeituosas sobre a sua religião, quer para as filhas, por quem nutria um grande amor e que queria educadas integralmente. Para ambas, mulher e filhas, nunca se esquecia de lhes lembrar o amor activo pelos pobres que ele praticava de forma cristãmente desinteressada, atenta e pronta.

O amor pelos pobres, sobretudo pelos mais pobres entre os pobres, amor que o acompanhou até sua morte, fez-lhe aderir aos ideais de S. Vicente de Paula e à obra deste, que ainda hoje existe — as Conferências de S. Vicente de Paula — e de que foi fundador em muitas vilas e cidades por onde passou.

Como referi, Barros-Gomes casou e foi muito feliz na sua vida matrimonial. Porém, esta doçura terminou quando sua mulher morreu, na Alemanha natal, onde estava em visita às duas filhas mais velhas que tinham ido estudar para um colégio católico neste país. Este triste acontecimento, passado pouco tempo, vai mudar-lhe a vida.

O engenheiro Barros-Gomes, contra todas as expectativas da família, decide ingressar na Ordem dos Lazaristas, Congregação da Missão, fundada por S. Vicente de Paula, que muitíssimo o fascinava por causa da sua entrega total aos pobres. Depois do percurso de formação, é ordenado Sacerdote, sem nunca estar perto das três filhas. Não uma presença formal, mas uma presença activa.

Agora, já Sacerdote, continua e amplia a sua acção para minorar ao máximo a pobreza. Não se mete na política, tão agitada no seu tempo e em que era fácil cair na tentação de “fazer” política. Não o fez porque o seu foco eram os pobres e só os pobres lhe interessavam.

…E chega a revolução que culmina em 5 de Outubro com a proclamação da República. Desde o dia três que havia grande agitação em Lisboa (esta revolução é essencialmente urbana e lisboeta) e, nesta agitação, há uma perseguição feroz aos padres e religiosos, que são insultados, enxovalhados e muitos agredidos. Muitas casas de religiosos são assaltadas e atacadas.

O Padre Barros-Gomes estava com alguns “lazaristas” e crianças numa das suas casas de Lisboa, já todos preparados para o pior, sem as vestes talares e recolhidos na Biblioteca depois de terem recebido a absolvição dada pelo Superior. A casa é assaltada e vandalizada, até que chegam, aos urros, a esta divisão que estava escurecida. Só lá estava o Padre Barros-Gomes, de joelhos e orando. Sairam todos, só Barros-Gomes ficou.

“…Aí irromperem pela biblioteca dentro depois da morte do Padre Fragues, os assaltantes distinguem na sala deserta (…) a cabeça alvinitente do venerando septuagenário. Mais um – gritam furiosos. Estala um tiro. O Padre Barros-Gomes cai de bruços sem um queixume (…)”

Este livro mexeu comigo. Espero que algum dos meus leitores tenha a oportunidade de o ler.

Carlos Aguiar Gomes


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