sábado, 20 de julho de 2019

DE MÃOS DADAS SEM APERTAR NEM MAGOAR


O Direito Canónico tem um fundo teológico e, cada norma, tem atrás de si uma longa história de experiências e práticas vivi...das, boas e menos boas, que o senso comum foi regulando. Não sendo Palavra de Deus, ele nasce a partir da doutrina da Igreja e esta provém do Evangelho, da Palavra e dos gestos de Jesus. Fiel à sua doutrina, a Igreja procura transmitir essa Boa Nova em linguagem mais pastoral que jurídica, mais à maneira de Jesus, pois há sempre situações de vida que saltam fora dos cânones. O Direito Canónico, porém, tem uma função de serviço, de apoio à pastoral, tem função educativa e organizativa. O seu objetivo é guiar os cristãos quanto aos direitos e deveres de uns para com os outros, para com a comunidade cristã e as instituições católicas. Ajuda a promover uma cultura ajustada aos ensinamentos e à missão espiritual da Igreja. Embora o principal papel pertença à Palavra e aos Sacramentos, a norma jurídica desempenha um papel importante na evangelização, não para usar apenas quando interessa ou em jeito de pedrada ou de força para matar e vencer, mas para usar como serviço à caridade e em destreza pedagógica. Direito e Pastoral andam de mãos dadas, sem se apertarem nem magoarem, amorosamente. Como afirma Bento XVI, “Uma sociedade sem Direito seria uma sociedade desprovida de direitos. O Direito é condição do amor” (18/10/2010).
Dentro deste entendimento e sem decretos, como alguns gostariam, volto a falar dos Padrinhos do Batismo. Não raro, a sua escolha continua a provocar momentos desconfortáveis, dando até a impressão, em reuniões faiscantes, que esse assunto é o único importante ou que a atividade e a preocupação pastoral se resumem a isso. Mas que causa mossa, lá isso causa, é verdade. Há sempre gente que se julga superior e digna de exceção. E há sempre gente que entende que o acolhimento, a bondade e o bom trabalho pastoral é viver à margem da comunhão eclesial e dizer sim a tudo!...
O Batismo não é uma formalidade ou um simples acontecimento social. É um sacramento, o fundamento de toda a vida cristã. Não é a mesma coisa ser-se batizado ou não se ser batizado. Tendo em conta o que é e significa, atendendo aos seus efeitos e consequências, o Batismo não deve ser negado nem adiado por razões sem razão, mas deve ser convenientemente evangelizado e preparado. E se toda a comunidade eclesial tem uma parte de responsabilidade no anúncio, salvaguarda e crescimento da graça recebida no Batismo; se os pais têm o primeiro e principal dever de ajudar a integrar na comunidade e fazer crescer a fé dos filhos; os padrinhos, atendendo ao múnus que assumem, devem ser pessoas de fé sólida, capazes e preparados para ajudar quem é batizado no seu caminho de vida cristã, assim o pede a Igreja. Eles são padrinhos em nome da comunidade eclesial, em nome da Igreja, devem ter a consciência de pertença à Igreja e vida em conformidade.
Resumindo, de novo, os cânones 872 a 875 do Código de Direito Canónico, lembro que: não é obrigatório haver padrinhos; o pai ou a mãe não podem ser padrinhos do próprio filho; pode haver um só padrinho ou uma só madrinha; se forem dois, seja um padrinho e uma madrinha e, em princípio, haja completado 16 anos de idade; tenha celebrado os sacramentos da iniciação cristã – Batismo, Confirmação e Eucaristia -; leve uma vida consentânea com a fé e com o múnus que vai desempenhar; possua capacidade e intenção de o fazer. Uma pessoa pertencente a uma outra igreja cristã, será admitida juntamente com um padrinho católico e assinará apenas como testemunha do Batismo. Num batizado em que não haja padrinhos, alguém assinará, não porque é ou vá assumir o múnus de padrinho, mas apenas assinará como testemunha de que o Batismo se realizou. Fora destes casos, ninguém deve assinar como testemunha: gera confusão, é ludibriar.
Quem, por exemplo, vive em união de facto, por opção consciente, livre e determinada, sabe que não recolhe as necessárias condições, bem como há outras situações assumidas conscientemente e em total liberdade que são objetivamente passíveis de não virem a ser aceites, mesmo que “estas situações devam ser abordadas de modo construtivo, tentando transformá-las em oportunidades” para que se comece a fazer caminho (cf. Francisco, A Alegria do Amor, nºs 292 e 297).
Algumas pessoas mais afastadas da prática eclesial e menos conhecedoras dos princípios que nos orientam, muitas vezes têm dificuldade em aceitar este diálogo pastoral. Embora reconhecendo que a sua união ou a sua situação individual contradiz o normal da vivência cristã, logo invocam a autoridade do Papa Francisco, como se ele tivesse dito o que eles querem ou a gente ignorasse o que Francisco, e bem, pede aos agentes da pastoral. Acham sempre que é um capricho do pároco, até mesmo quando querem ser padrinhos sem terem sido batizados: já aconteceu!... Quando, com verdadeiro acolhimento e verdadeira solicitude pastoral, se fala, atendendo às circunstâncias, que esta ou aquela pessoa não reúne as condições normais para vir a ser padrinho ou madrinha do Batismo, não se está a querer julgar, condenar, discriminar ou a faltar ao respeito a quem quer que seja. Está-se apenas a ter em conta os mais elementares princípios que têm de existir e a Igreja nos aponta e pede.
Também sabemos que há outras situações existenciais que podem não estar de harmonia com a doutrina da Igreja por circunstâncias difíceis da vida e para onde as pessoas, com sofrimento e sem outra solução plausível, foram arrastadas, até com muita dor. Mas elas sabem reconhecer a situação em que se encontram, nunca se afastaram da Igreja, participam naquilo a que a Igreja os aconselha e convida, estão integradas, colaboram. É perante estas situações que os pastores e agentes da pastoral têm a obrigação de, com todo o acolhimento e solicitude pastoral, ajudar a discernir a melhor opção, tendo também em conta, se, sendo essa pessoa aceite como padrinho ou madrinha, não irá criar escândalo ou mal-estar na comunidade cristã. Cada caso é cada caso e as situações, embora aparentemente iguais, podem não o ser, muitas vezes não são. Em situações similares, ninguém se deve comparar com alguém para fazer valer o que pretende. De facto, as situações, embora aparentemente iguais, podem não ser iguais.
O verdadeiro acolhimento implica, por respeito a todos, sentir e manifestar a alegria do encontro sem fingimentos; encetar e facilitar o diálogo pessoal e amigo como partilha do que vai na alma; saber escutar até ao fim sem condenar nem cortar a palavra; afirmar a verdade com humildade e amor; transmitir a beleza da Novidade cristã em linguagem positiva na alegria da fé em Cristo Senhor; gerar empatia e gosto para que amanhã, e depois de amanhã, se possa continuar este diálogo pastoral a transmitir coragem, inspiração, estímulo...

Antonino Dias.
  Bispo dePortalegre-Castelo Branco, 19-07-2019.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.

10 enseñanzas valiosas para todos los católicos.

  Cada 11 de julio, la Iglesia Católica celebra la  festividad de San Benito  de Nursia,  patrono de Europa  y maestro en la búsqueda de Dio...