A CULTURA DO CUIDADO EM PEQUENOS GESTOS
Vivemos o Dia Mundial do Meio Ambiente, foi em 5 de junho. Aconteceu no meio de um ambiente politicamente tóxico. E cá para nós que ninguém nos ouve: eles não se entendem mesmo! E não é por causa da abundância de plásticos no fundo do mar ou na foz do Tejo a exigir soluções! Nem é por causa das cabras selvagens e javalis que, espalhados por estes territórios por onde me encontro em funções, dão cabo dos parcos frutos do trabalho duro, mas necessário para a sobrevivência destes sacrificados e queixosos agricultores. É, sim, por causa dum valiosíssimo computador cheio de segredos, com as Secretas pelo meio. É por causa de um famoso portátil a desafiar pancadaria e fugas para a casa de banho: os desarranjos foram grandes! Não duvidem, essa preciosidade é, certamente, aquele ponto de apoio que Arquimedes já profetizara pelo ano 250 antes de Cristo, mais coisa menos coisa. De alavanca na mão pelas ruas e becos de Siracusa, mas sem qualquer perspetiva cronológica desse feliz achamento, já ele procurava essa coisa para levantar e revirar o mundo de pernas para o ar. Aí, nesse pc ministerial, arcano dos arcanos mais arcanos, jaz a desgraça apocalítica do mundo ou a misteriosa solução de todos os problemas! Os seus custódios, porém, em vez de figurarem em busca da verdade com respeito por si próprios, e também pelo que representam e significam nesta sociedade tão carente de valores, fazem, isso sim, é uma triste figura, uma figura de sendeiros, diz-se lá pelas terras do vinho alvarinho e do arroz do forno. Com ruídos de poluir os ares e de fazer aquecer os fusíveis de quem os ouve, chamam mentirosos uns aos outros e deixam pelas ruas da amargura a arte nobre da política, o seu brio e o testemunho de pessoas de bem. Nos cinquenta anos do Dia Mundial do Ambiente e à porta dos cinquenta anos da nossa democracia, bem gostávamos de ver menos poluição e mais escorreiteza nestas causas. Paciência, ficará para a próxima!
Este ano, esse dia Mundial teve como tema ‘soluções para a poluição plástica’, no âmbito da campanha ‘Combata a Poluição Plástica’. Segundo li, ‘mais de 400 milhões de toneladas de plástico são produzidas a cada ano, metade das quais de uso único. Desse total, menos de 10% é reciclado. Estima-se que de 19 a 23 milhões de toneladas acabam em lagos, rios e mares. Atualmente, o plástico sobrecarrega os aterros sanitários, é deitado nos oceanos e é queimado, tornando-se numa das mais graves ameaças para o planeta. Além desses impactes, existe um risco menos conhecido: os microplásticos estão já presentes na cadeia alimentar, na água que bebemos e até mesmo no ar que respiramos. Segundo algumas estimativas, as pessoas consomem mais de 50.000 partículas de plástico por ano. Muitos produtos plásticos contêm aditivos perigosos, o que pode representar uma ameaça à saúde’. Os entendidos, dizem que, por este caminho, em 2050, haverá mais de 12 bilhões de toneladas de resíduos plásticos. Um terço do lixo doméstico é composto por embalagens de plástico. Cerca de 80% são descartadas após usadas uma única vez. São obtidos, principalmente, a partir do petróleo e a maioria não é biodegradável. A sua grande maioria (79%) acaba sem tratamento nos aterros sanitários, lixões e no meio ambiente. O ecossistema marinho é quem mais sofre com os plásticos. A cada ano, cerca de 8 milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos. Estima-se que até 2050, 99% das aves marinhas terão ingerido plástico. A estimativa é que existam bilhões de toneladas de plástico a flutuar nos oceanos. Apenas a ‘Grande Ilha de Lixo do Pacífico’, nome dado a um aglomerado de plásticos no Pacífico Norte, possui um tamanho equivalente ao território dos Estados Unidos. A solução deste problema, que é sistêmico, poderá vir da parte das empresas, do poder político, da sociedade civil e de cada pessoa. A Laudato Si’ alerta que a consciência da gravidade da crise cultural e ecológica precisa de se traduzir em novos hábitos e em ser capaz de renunciar àquilo que o mercado oferece, pois até se reconhece que tanto o progresso como a mera acumulação de objetos ou prazeres não dão pleno sentido e alegria ao coração humano. Onde se deveriam realizar as maiores mudanças nos hábitos de consumo, os jovens têm uma nova sensibilidade ecológica e um espírito generoso. Alguns deles até lutam admiravelmente pela defesa do meio ambiente, mas cresceram num contexto de altíssimo consumo e bem-estar que torna difícil a maturação doutros hábitos. Por tudo isso, estamos, de facto, perante um desafio educativo (cf. LS’ 209).
E como afirma Francisco, é necessário sentir que precisamos uns dos outros, que “temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos. Vivemos já muito tempo degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por nos colocar uns contra os outros na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento duma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente” (LSi’, 229).
O amor para com os outros e o mundo, manifesta-se em pequenos gestos de cuidado mútuo, manifesta-se em todas as ações capazes de ajudar a construir uma sociedade mais humana e um mundo melhor, mais digno da pessoa. Por isso, é necessário revalorizar o amor na vida social fazendo dele a norma constante e suprema do agir. “Neste contexto, juntamente com a importância dos pequenos gestos diários, o amor social impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade. Quando alguém reconhece a vocação de Deus para intervir juntamente com os outros nestas dinâmicas sociais, deve lembrar-se que isto faz parte da sua espiritualidade, é exercício da caridade e, deste modo, amadurece e se santifica (LSi’, 231).
+ Antonino Dias
Bispo de Portalegre-Castelo Branco, 09-06-2023.
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