terça-feira, 5 de agosto de 2025

A SIMPLICIDADE NA UNIÃO COM DEUS

Pe. Frei Mario José Petit de Murat, O.P.

Há três classes de advento, mas hoje vamos falar de nosso advento até Deus, não do advento de Deus até nós, que se realiza sempre. Somos nós os que devemos ir a Deus. Quando nos renderemos? Estamos longe de Deus e de nós mesmos à medida em que estamos inclinados à criatura.

Deixemo-nos ser absorvidos por Deus. Deus nos ama com um amor tão ardente! É tão grande o transbordamento do seu amor até nós, que sacrificou seu Filho único, o objeto de suas complacências, para nos salvar. Ele está nos chamando. Em cada dia, em cada momento, está nos chamando pelo nome e dizendo: “filho meu, que posso fazer por ti que não já tenha feito”. E o Filho, lacerado, desfeito, do alto da Cruz exclama: “tenho sede!”, de que? “De ti, criatura, tenho sede do teu amor!”. É tão grande esse amor, que Deus se colocou aos nossos pés, fez-se nosso escravo para nos atrair a Si. Abramo-nos a Ele. O verdadeiro advento se cumpre quando nos abrimos a Deus, que anseia vir a nós e fazer em nós sua morada. A criatura tem que aquietar-se à voz do Pai que diz: “Não temas, quero acolher-te, te amo”.

Deixemos as preocupações: “o amanhã trará as suas próprias preocupações”. O futuro vem dia a dia. A graça de hoje é a preparação para a graça de amanhã. Sejamos avaros do nosso tempo; e não digo de nossos dias, mas de nossos minutos. Cada minuto é um convite de Deus. Não damos a nossos dias o tremendo valor que têm porque os vemos chegar a nós muito facilmente. Vêm com tanta facilidade porque são dons de Deus, mas em cada um deles estamos forjando a eternidade.

Nossa vida é um arco ogival. Temos que ser como os arcos das Catedrais góticas: duas linhas curvas que se encontram em cruz para abrir-se até em cima, abarcando o céu indefinidamente, num abraço formado por duas vontades: a de Deus e a nossa.

A realidade não é mais que o presente. Não faças, deixa fazer. Abra-te como uma flor ao orvalho e deixa que o Senhor se derrame em ti. “Bem-aventurados os pobres de espírito”, não só em sentido material, mas também no espiritual; isto é, aqueles que não se atam aos seus próprios gostos e critérios, mas que em uma grande pobreza e desnudez se apresentam a receber o Senhor por inteiro, Suas graças e Seus dons.

As mães não devem pensar se este filho será isso ou aquilo no futuro, mas formar a alma dele a cada dia, em cada minuto, e coloca-la à disposição de Deus.

Amar o silêncio, pois ali fala Deus à criatura. Marta é o protótipo das criaturas que esperam o advento de Cristo dizendo: “virá? Já está chegando?” Maria, pelo contrário, é o exemplo de nosso advento ao Senhor. Ela sai ao encontro dEle, vai busca-lo, e aos Seus pés, escuta-o em silêncio.

“Coloca no Senhor tuas feridas, e Ele te curará”. Grande sensibilidade. Quando notamos uma imperfeição ou uma falha, coloquemo-nos na Sua misericórdia; o fogo de Seu amor consumirá nosso pecado. Repousemos em Deus que nos ampara, que cuida de nós, que tem mais cuidado conosco que nós mesmos. É preciso ocupar-nos das coisas, mas não nos preocupar. E assim nos colocaremos na presença de Deus em silêncio.

A porta de entrada para Deus é a fé: aceitar de maneira vivente tudo o que foi revelado. A fé não possui imagens. “Sei, Senhor, que estais aqui; sei, Senhor, que estais me amando neste instante!” As verdades da fé são intuitivas, não discursivas. “Estás aqui, Senhor!” E já não se diz mais nada. À medida com que quero vê-lo, desaparece a fé. Entrar nele esquecido de si. O meio que nos une a Deus é a inteligência vivificada com a fé (não a sensibilidade). Basta que nos desapeguemos de uma coisa para que esta coisa se nos dê. Não estejamos entregues à nossa sensibilidade. Vivamos de fé. Os animais dormiam; por isso os pastores escutaram o canto dos anjos. Os animais representam nossa sensibilidade, nossa parte animal; quando esta se cala, o espírito domina e se ouve a voz dos anjos.

Somos uma porção do Verbo e temos que ser verbo. Temos que ser uma gema preciosa, um resplendor de Cristo. É uma falsa humildade pensar que não somos mais que um pouco de barro. Somos barro, sim, mas enxertados em Cristo, e com Cristo precisamos ir ao Pai.

Como se simplifica nossa vida quando afrouxamos nossos nervos em tensão para descansar em Deus! Aquietemos nossa imaginação; não nos ocupemos em tentar compreender cada acontecimento de nossa vida. Sabemos que é nosso Pai quem os envia. Entreguemo-nos a Ele totalmente, todo o nosso ser: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra”.

A esperança é a virtude que nos entrega a Onipotência divina. “O amado te apoiou com sua mão esquerda e te abraçou com sua destra”. A esquerda representa a humanidade de Cristo, com ela nos apoiou; e a destra representa a divindade de Deus, com ela nos abraça. Cristo nos sustenta e Deus nos abraça com sua divindade.

Jesus não dorme. Jamais temamos. Não duvidemos. Jesus vela. A Igreja é isso: Cristo erigido e velando. A visitação de Deus é para dar-nos seu gozo inextinguível, não o gozo dos anjos, mas o mesmo gozo de Deus.

A maneira de vencer não é fugir. Não temer o mundo, mas desprezá-lo e vencê-lo “consagrados à verdade”. Ter sede apaixonada pela verdade. O que tiver necessidade de sabedoria, peça ao Senhor com humildade.

A vinda de Deus a nós é para provocar-nos a ir a Ele. Temos que responder todos os dias. Desde o despertar, ir a Deus; fazer esse advento de nós a Ele. Pouco importa o que sinto, basta o querer de minha vontade. Olhar a Deus por cima de mim e do mar de coisas que influenciam a sensibilidade (identificar sempre sensibilidade e “nervos” com animalidade). Triunfam os que tudo esperam dele e esperam contra toda esperança. Quando nada nos perturba, já somos filhos de Deus. Entregamos totalmente a Ele. Esta entrega em seus braços dará a nossas almas uma paz que nada poderá mudar e uma alegria profunda, uma alegria sem limites, sem amarras e verdadeira, apesar de todos os sofrimentos que vierem. “Que me importa o que acontecer se estou unido a meu Deus e Ele me ama com tão imenso amor?”

Os meios mais imediatos para unir-se a Deus são a Fé e a Esperança, mas pela caridade, já estamos em Deus. “Deus é caridade”. O que está no amor, em Deus permanece e Deus permanece nele. A caridade tem três aspectos: respeito a Deus, respeito ao próximo, e respeito a nós mesmos.

A paternidade de Deus é a que dá razão de ser ao primeiro aspecto. Deus é Pai e vivemos em sua paternidade. A misericórdia de Deus nos precede e nos segue. É uma ingratidão, a maior de todas, o sentimento de orfandade, o sentirmo-nos sós. A homenagem que transpassa a Deus é a homenagem de seus filhos, de sentir-se verdadeiramente filho, e de confiar plenamente nele.

Neste mundo não há penas de castigo, apenas penas de melhoramento. “Porque te amo, repreendo-te e te castigo”, diz o Apocalipse. Deus não fala com palavras, mas com as coisas e com os sucessos.

Mas é necessário que amemos o Pai e aprendamos a ir a Ele. Se só conhecemos e amamos a Jesus, nós paramos na metade do caminho. Temos que ir ao Pai. Cristo vive só em razão do Pai e toda sua vida é um só impulso para Ele. Quando nos detemos no Coração de Jesus, em Cristo, estamos defraudando a Cristo, porque Ele veio não para atrair-nos a Si como fim último, mas como Mediador, para unir-nos ao Pai: “Filho meu – nos está dizendo – escolha o Pai!”

O Filho de Deus disse ao Pai: “Dai-me esse barro putrefato, esse desfeito que é o mundo, e Eu vos entregarei transformado, convertido em algo precioso”. E Cristo se uniu à nossa miséria; para levantar-nos, tomou-nos a todos nós, tudo aquilo que desprezávamos, desposou-se com nossas dores antes mesmo que nós a padecêssemos, e as converteu em graças de redenção. Mas em tudo se referia ao Pai: “Eu não falo senão o que aprendi do Pai”. “Felipe, tanto tempo faz que estou convosco e tu não me conheceu? Quem me viu, viu o Pai; não crês que eu sou um com o Pai?”. “As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras”.

“Não vos deixarei órfãos. Voltarei a vós. Ainda um pouco de tempo e o mundo já não me verá. Vós, porém, me tornareis a ver, porque eu vivo e vós vivereis. E naquele dia, conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós”. “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”. “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai.” “Ora, a vida eterna consiste em que conheçam a ti, um só Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo que enviaste. Eu te glorifiquei na terra. Terminei a obra que me deste para fazer. Agora, pois, Pai, glorifica-me junto de ti, concedendo-me a glória que tive junto de ti, antes que o mundo fosse criado”. “Por eles é que eu rogo. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me encarregaste de fazer conhecer, a fim de que sejam um como nós. Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim. Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste. Pai, quero que, onde eu estou, estejam comigo aqueles que me deste, para que vejam a minha glória que me concedeste, porque me amaste antes da criação do mundo. Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci, e estes sabem que tu me enviaste. Manifestei-lhes o teu nome, e ainda hei de lhes manifestar, para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles.”

Quando conseguimos sair de nossos sentidos e entrar em nossas almas, somos sutis e ágeis para segui os movimentos de Deus e entregar-nos a Ele.

Conhecemos a Caridade ao próximo quando a ira se converte em lágrimas. Quando estamos em Cristo, não pedimos, mas damos; já não somos mendigos. A Caridade não opera precipitadamente.

A Caridade é o que consola na verdade, ainda que esta seja dolorosa. Este é o paradoxo de Cristo: o ter colocado o gozo sem limites na dor.

Enquanto vemos nossos irmãos como a um estranho, então não somos o que Deus quer que sejamos. Sejamos todos um. Cristo se fez pecado por nós para pagar pelos pecados que são nossos. Quando o sacerdote levanta a Hóstia Santa, apresentamos ao Senhor nossos pecados e os pecados dos nossos irmãos: “Pai, aqui está o pagamento por todos os meus pecados! (pelos meus pecados e pelos dos meus irmãos).

“A única ambição legítima é a de ser santo”. “Filho, nunca te acostumes com apenas ‘dizer’ a Missa!”

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