:: Papa Leão XIV visita o túmulo de Atatürk e o legado histórico das comunidades cristãs na Turquia ::
Na sua viagem apostólica à Turquia em 2025, o Papa Leão XIV incluiu entre os seus actos oficiais uma visita ao mausoléu de Mustafa Kemal Atatürk, depositando uma coroa de flores e escrevendo no “Livro de Honra” uma mensagem pedindo paz e prosperidade para a Turquia e o seu povo. Este gesto, embora diplomático e simbólico, suscita reflexão sobre o contexto histórico e a situação actual das comunidades cristãs no país.
:: Quem foi Mustafa Kemal Atatürk ::
Mustafa Kemal Atatürk (1881‑1938) foi o fundador e primeiro presidente da República da Turquia, proclamada em 1923 após o colapso do Império Otomano. É reconhecido por ter liderado a Guerra de Independência Turca (1919‑1923) e por implementar reformas profundas: secularização do Estado, modernização do sistema educativo, adoção do alfabeto latino e promoção de direitos civis e igualdade de género.
No entanto, Atatürk surgiu no contexto imediato após genocídios e massacres de comunidades cristãs na Anatólia, nomeadamente:
- Genocídio arménio (1915–1917);
- Massacres de gregos pónticos e do oeste da Anatólia (1914–1923);
- Perseguição e massacres de assírios/siríacos (1915–1923).
A consolidação da nova Turquia implicou expulsão, marginalização e redução drástica das minorias cristãs, sendo que, para muitos descendentes de arménios, gregos e assírios, a fundação da República simboliza o fim da presença histórica cristã em vastas zonas da Anatólia.
:: Intuito do gesto papal ::
O gesto do Papa pode ser interpretado de várias formas:
- Diálogo inter-religioso e respeito mútuo: reconhecer a identidade turca moderna mesmo com o passado complexo;
- Sinal de paz e reconciliação: a coroa de flores e a mensagem no Livro de Honra representam um acto simbólico de perdão, esperança e reconciliação, talvez consciente das feridas históricas das comunidades cristãs.
:: A presença cristã na Turquia: História e Declínio ::
Até ao início do século XX, os cristãos na região da actual Turquia (gregos ortodoxos, arménios, siriacos/assírios) constituíam uma fração significativa da população do Império Otomano. As catástrofes do início do século — genocídio arménio, massacres de gregos e assírios, e a troca de populações de 1923 — reduziram profundamente essas comunidades.
Hoje, os cristãos representam menos de 1% da população turca, contra cerca de 4 milhões há um século. Este declínio resulta de genocídios, expulsões, políticas discriminatórias e emigração ao longo de décadas.
:: Situação contemporânea das comunidades cristãs ::
Apesar da constituição turca proclamar liberdade religiosa, a prática quotidiana das comunidades cristãs enfrenta obstáculos sérios:
- Dificuldades administrativas e jurídicas: restrições na propriedade e uso de locais de culto, controlo sobre nomeação de clérigos e associações religiosas;
- Violência e intimidação: ataques a igrejas, ameaças a líderes e fiéis, expulsão de missionários;
- Discriminação socioeconómica e institucional: dificuldades no acesso a cargos públicos, validação de títulos, emprego e serviços, com base em afiliação religiosa;
- Pressão social e cultural: nacionalismo religioso dominante e hostilidade em várias regiões, sobretudo no interior e sudeste do país.
O gesto papal em Ancara, embora simbólico, relembra-nos que a história das comunidades cristãs na Turquia é marcada por perseguição, sofrimento e resiliência. Honrar a memória dessas comunidades e apoiar a sua sobrevivência é um dever moral, espiritual e histórico.

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