quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

 :: Papa Leão XIV visita o túmulo de Atatürk e o legado histórico das comunidades cristãs na Turquia ::




Na sua viagem apostólica à Turquia em 2025, o Papa Leão XIV incluiu entre os seus actos oficiais uma visita ao mausoléu de Mustafa Kemal Atatürk, depositando uma coroa de flores e escrevendo no “Livro de Honra” uma mensagem pedindo paz e prosperidade para a Turquia e o seu povo. Este gesto, embora diplomático e simbólico, suscita reflexão sobre o contexto histórico e a situação actual das comunidades cristãs no país.
:: Quem foi Mustafa Kemal Atatürk ::
Mustafa Kemal Atatürk (1881‑1938) foi o fundador e primeiro presidente da República da Turquia, proclamada em 1923 após o colapso do Império Otomano. É reconhecido por ter liderado a Guerra de Independência Turca (1919‑1923) e por implementar reformas profundas: secularização do Estado, modernização do sistema educativo, adoção do alfabeto latino e promoção de direitos civis e igualdade de género.
No entanto, Atatürk surgiu no contexto imediato após genocídios e massacres de comunidades cristãs na Anatólia, nomeadamente:
- Genocídio arménio (1915–1917);
- Massacres de gregos pónticos e do oeste da Anatólia (1914–1923);
- Perseguição e massacres de assírios/siríacos (1915–1923).
A consolidação da nova Turquia implicou expulsão, marginalização e redução drástica das minorias cristãs, sendo que, para muitos descendentes de arménios, gregos e assírios, a fundação da República simboliza o fim da presença histórica cristã em vastas zonas da Anatólia.
:: Intuito do gesto papal ::
O gesto do Papa pode ser interpretado de várias formas:
- Diálogo inter-religioso e respeito mútuo: reconhecer a identidade turca moderna mesmo com o passado complexo;
- Sinal de paz e reconciliação: a coroa de flores e a mensagem no Livro de Honra representam um acto simbólico de perdão, esperança e reconciliação, talvez consciente das feridas históricas das comunidades cristãs.
:: A presença cristã na Turquia: História e Declínio ::
Até ao início do século XX, os cristãos na região da actual Turquia (gregos ortodoxos, arménios, siriacos/assírios) constituíam uma fração significativa da população do Império Otomano. As catástrofes do início do século — genocídio arménio, massacres de gregos e assírios, e a troca de populações de 1923 — reduziram profundamente essas comunidades.
Hoje, os cristãos representam menos de 1% da população turca, contra cerca de 4 milhões há um século. Este declínio resulta de genocídios, expulsões, políticas discriminatórias e emigração ao longo de décadas.
:: Situação contemporânea das comunidades cristãs ::
Apesar da constituição turca proclamar liberdade religiosa, a prática quotidiana das comunidades cristãs enfrenta obstáculos sérios:
- Dificuldades administrativas e jurídicas: restrições na propriedade e uso de locais de culto, controlo sobre nomeação de clérigos e associações religiosas;
- Violência e intimidação: ataques a igrejas, ameaças a líderes e fiéis, expulsão de missionários;
- Discriminação socioeconómica e institucional: dificuldades no acesso a cargos públicos, validação de títulos, emprego e serviços, com base em afiliação religiosa;
- Pressão social e cultural: nacionalismo religioso dominante e hostilidade em várias regiões, sobretudo no interior e sudeste do país.
O gesto papal em Ancara, embora simbólico, relembra-nos que a história das comunidades cristãs na Turquia é marcada por perseguição, sofrimento e resiliência. Honrar a memória dessas comunidades e apoiar a sua sobrevivência é um dever moral, espiritual e histórico.

 Sudão | Uma Guerra Esquecida e a Perseguição aos Cristãos




Desde Abril de 2023, o Sudão mergulhou numa guerra civil sangrenta entre o exército oficial Sudanese Armed Forces (SAF) e a milícia paramilitar Rapid Support Forces (RSF). O conflito já provocou:
- Milhares de mortes civis — entre bombardeamentos, massacres e ataques indiscriminados.
- Deslocações forçadas massivas — o Sudão vive hoje “uma das maiores crises de deslocados internos do mundo”.
- Destruição de infraestruturas essenciais — hospitais, escolas, mercados, mas também locais de culto e habitações.
- Fome, doença, desespero — a guerra prolongada e a interrupção da agricultura e dos transportes agravam muito o sofrimento da população.

Apesar disso — e apesar da dimensão da tragédia — o conflito permanece “quase invisível” na grande maioria dos média mundiais. Por isso muitos sudaneses sentem‑se abandonados, sem voz nem apoio internacional digno desse nome.

:: ✝️ A comunidade cristã: alvo de perseguição, destruição e expulsão ::

A minoria cristã no Sudão — estimada em alguns milhões (embora constitua pequena percentagem da população total) — tem sofrido especialmente com o conflito. As acusações de perseguição religiosa, uso de igrejas como bases militares, destruição de templos, prisões arbitrárias e discriminação são constantes. Alguns dos relatos e factos mais graves:

- Igrejas são destruídas ou demolidas: por exemplo, uma igreja pentecostal em Khartoum Norte foi completamente demolida em Julho de 2025.

- Outros templos cristãos foram bombardeados pela RSF — em alguns ataques morreram fiéis e sacerdotes.

- Comunidades cristãs foram forçadas a abandonar cultos: por exemplo, em Dezembro de 2024 a RSF invadiu um culto de Natal numa igreja no Estado de Gezira, feriu dezenas e expulsou os fiéis.

- Pastores e fiéis têm sido presos, acusados de crimes falsos, torturados ou mortos — mesmo estando desalojados e sem meios de defesa.

- Igrejas são ocupadas como bases militares — transformadas em abrigos, depósitos de armas, ou quartéis improvisados, impedindo o culto e destruindo a comunidade.

Além da violência — física e institucional — os cristãos enfrentam uma crise humanitária geral onde comida, ajuda, abrigo e segurança são quase inexistentes. Alguns relatos falam de pessoas cristãs obrigadas a comer ração animal ou mesmo relva para sobreviver.

::⚠️ Por que esta crise está a passar quase despercebida? ::

Há várias razões pelas quais a tragédia no Sudão, e em particular a perseguição a cristãos, não recebe a atenção global que merecia:

- O conflito tem natureza complexa — guerra civil, múltiplas facções, interesses geopolíticos — o que dificulta a cobertura ampla e consistente.

- A fragmentação da comunicação, restrições de acesso, corte de comunicações e bloqueios tornam difícil verificar e relatar os abusos em tempo real.

- Muitos media preferem cobrir crises “mais mediatizadas”, ou com interesses geopolíticos ocidentais diretos, deixando o Sudão à margem.

- Minorias religiosas sofrem “dupla invisibilidade”: são vítimas de conflito generalizado + perseguição específica, mas não têm voz forte ou lobby internacional expressivo.

O resultado é que milhões de sudaneses — cristãos e não‑cristãos — vivem hoje sob terror, fome, deslocamento e medo, enquanto o mundo olha para o lado.

:: 🕊️ Resistência, fé e apelo por justiça e ajuda ::

Apesar da destruição e da dor, há quem permaneça firme:

- Muitos cristãos sudaneses continuam a rezar, a tentar manter encontros comunitários, a testemunhar a fé mesmo em campos de deslocados ou em abrigo precário.
- Pastores, líderes religiosos e organizações de base apelam à solidariedade internacional — justiça, visibilidade, ajuda humanitária e proteção.

Há quem acredite que Deus poderá usar esta provação para transformar o caos em esperança, e que a Igreja no Sudão sobreviverá mesmo entre escombros.

Mas, para que isso seja possível, é necessário que o mundo volte os olhos para o Sudão — não só como geopolítica, mas como tragédia humanitária urgente e crise de liberdade religiosa.

O que se passa no Sudão é um escândalo moral global: guerra, perseguição religiosa, genocídios, fome, deslocados — vidas humanas a serem destruídas. A comunidade cristã sudanesa representa apenas uma parte do sofrimento — mas um exemplo doloroso e emblemático de como as guerras modernas atingem não só corpos, mas almas, fé e dignidade.

Se nós que acreditamos em liberdade, dignidade humana, justiça e fé permanecermos calados, permitimos que milhões de vidas sejam apagadas no silêncio. Este é um chamado — não só de urgência material, mas espiritual, ético, humanitário. A divulgação, a oração, o apoio e a solidariedade — mesmo simbólicos — podem servir de ponte de esperança.

 Atos persecutórios contra os cristãos na Turquia: um fenómeno negligenciado?



A Turquia é a terra natal de São Paulo de Tarso e um dos berços antigos do Cristianismo. No entanto, nas últimas décadas a presença cristã no território da actual República da Turquia diminuiu drasticamente e as comunidades que permaneceram enfrentam obstáculos jurídicos, sociais e de segurança que constrangem a sua liberdade religiosa e a sua continuidade. Este texto analisa factos históricos e a situação contemporânea, oferecendo um quadro rigoroso e útil para reflexão e acção.

:: Da cristandade anatoliana à quase Extinção Comunitária ::

Até ao início do século XX, a população cristã no que hoje é a Turquia (gregos ortodoxos, arménios, siriacos/assírios e outras comunidades) constituía uma fração significativa da população do Império Otomano. As catástrofes do início do século — incluindo as mortes e deportações massivas de arménios em 1915–1917, os episódios de violência contra gregos e assírios, e a troca de populações acordada em 1923 — reduziram profundamente essas comunidades. A troca de populações de 1923 envolveu mais de um milhão de pessoas e teve como consequência a homogenização religiosa e étnica de vastas regiões da Anatólia.

:: Números Contemporâneos: uma Minoria reduzida ::

As estimativas situam hoje os cristãos na Turquia numa percentagem muito reduzida da população total — inferior a 1% do total. Há um século eram 4 milhões.Esta erosão numérica é o resultado acumulado de genocídios, trocas forçadas, políticas discriminatórias, pressões sócio-económicas e emigração ao longo do século XX e XXI.

:: Formas actuais de pressão e discriminação ::

A situação contemporânea evidencia várias formas concretas de pressão sobre cristãos na Turquia atual:

Dificuldades administrativas e restrições jurídicas: entraves legais à propriedade e uso de locais de culto, à nomeação de clérigos estrangeiros, e controlo administrativo sobre associações religiosas não-islâmicas.

Violência e intimidação: registos de ataques a igrejas, ameaças a líderes e fiéis, e um ambiente de hostilidade em certas regiões. Há casos de expulsão de missionários/activistas religiosos e de aumento de incidentes violentos contra comunidades cristãs.

Discriminação socioeconómica e institucional: embora a Constituição turca proclame a liberdade religiosa, na prática há obstáculos no acesso a cargos públicos, entraves na validação de títulos e dificuldades laborais quando a afiliação religiosa se torna conhecida. A informação sobre afiliação religiosa pode surgir em processos administrativos, alimentando receios de discriminação.

:: O papel do ambiente político e social nas últimas décadas ::

O nacionalismo religioso e as políticas de identidade nacional que sublinham uma maioria muçulmana dominante contribuem para um ambiente em que minorias religiosas sentem pressão acrescida. Algumas regiões urbanas, como Istambul, mantêm comunidades cristãs visíveis e alguma pluralidade cultural, enquanto zonas do sudeste e do interior são mais hostis.

:: Separar factos de narrativas — o rigor necessário ::

Algumas afirmações circulantes, como números exactos de cristãos no passado recente ou a ideia de “limpeza étnica quase concluída”, exigem cuidado. O declínio demográfico histórico da população cristã é bem documentado; acusações contemporâneas de “genocídio” ou de políticas oficiais de erradicação cultural devem ser tratadas com base em evidência legal e historiográfica rigorosa. É fundamental denunciar injustiças com precisão factual, distinguindo factos comprovados de interpretações ou sentimentos legítimos de indignação.

:: Situação actual e recomendações para comunidades cristãs ::

A situação das comunidades cristãs na Turquia é complexa: existe um passado histórico traumático e, hoje, evidências de pressões institucionais, sociais e por vezes violentas que dificultam a vida e a continuidade de pequenas comunidades cristãs. Para uma comunidade como a Militia Sanctae Mariae, recomenda-se uma resposta que combine caridade e prudência histórica:

Informação rigorosa — divulgar dados credíveis sobre a situação das comunidades cristãs para fundamentar a denúncia de injustiça sem recorrer a exageros.

Solidariedade prática — apoiar iniciativas locais e internacionais que prestem assistência humanitária, formação legal e apoio pastoral às comunidades afetadas.

Oração e diplomacia discreta — interceder pelas comunidades perseguidas e mobilizar contactos institucionais e eclesiais para levantar a questão junto de organismos europeus e de direitos humanos.

Evitar retórica inflamável — denunciar injustiças com precisão factual, evitando termos legais muito pesados a menos que sejam sustentados por decisões judiciais ou consenso historiográfico, distinguindo claramente factos comprovados de interpretações.

  :: Papa Leão XIV visita o túmulo de Atatürk e o legado histórico das comunidades cristãs na Turquia :: Na sua viagem apostólica à Turquia ...