segunda-feira, 20 de outubro de 2025

 

ESTA “COISA” DOS NOMES DAS PESSOAS



Quando António Variações lançou uma canção que teve enorme êxito e nela ele cantava:
“Maria Albertina, porque foste nessa / De chamar Vanessa à tua menina”, ninguém protestou ou se sentiu excluído, sobretudo as Vanessas que começavam a aparecer no panorama onomástico português com outros “companheiros” alheios à nossa cultura.

A partir dos finais do século XX apareceram as “Noha”, “Noah”, “Oceano”, “Lua” e outras excentricidades, com o concomitante “apagamento” das “Maria”. Ninguém protestou. Nem se sentiu excluído… Mas era um sintoma visível e voluntário de apagar a nossa cultura de raiz cristã, ainda que tal significasse religiosidade consciente.

Bem sei que, com a implantação da república, pais mais ou menos fanáticos, começassem a chamar aos filhos “Liberdade”, “Aurora da Liberdade” ou “Benvinda República de Portugal” (vi a participação do falecimento de uma num diário de Lisboa, em meados da década de 60 do século passado, e que me alegrou muito em saber que a república tinha morrido!).

Com a Revolução de Abril, apareceram os “Lenine” ou “Marx”, episódio efémero de fanáticos. Simultaneamente, começam a ser cada vez mais frequentes chamar “Bernardo” a um cão, “Júlia” a uma gata… como se qualquer animal de estimação fosse uma pessoa humana! Assim se ia e vai “cancelando” a nossa Cultura. E tudo pacífico.

Tenho para mim, e não estarei assim tão errado, que o nome atribuído a uma pessoa tem a missão de honrar alguém vivo ou que já tenha morrido. Também consagrar essa pessoa a um santo ou à Virgem Santíssima. Os nomes carreiam e contribuem para caracterizar uma Cultura pela frequência com que determinados são usados e que nos ajudam a definir essa Cultura.

Vejamos, até há muito poucos anos, em Portugal, a maioria esmagadora das mulheres se chamava Maria X ou X Maria (Maria do Rosário, da Conceição, do Alívio, das Dores, de Fátima, do Sameiro, da Penha, João, José, etc. e etc.) ou invertendo a ordem: Rosalina Maria, Ana Maria, Luísa Maria, Antónia Maria… Os homens também, frequentemente, “arrastavam” com o nome de Maria: António Maria, João Maria, José Maria, Carlos Maria, etc. e etc. Quanto ao “Maria”, eram frequentíssimos nos homens e até em mulheres o nome de José, António, Francisco ou Manuel. Apareciam muitos nomes de santos com devoção mais em voga (Goretti, Filomena, entre outros).

Ora bem, a nossa Cultura quase mudou totalmente no campo da onomástica, um sintoma entre outros dessa mudança. Se há cada vez menos crianças, cada vez mais vemos nomes mais “estranhos”, que são “roubados” das novelas que passam nas televisões ou são importados de outras latitudes, com ou sem o aportuguesamento do nome.

Com a invasão de povos de longes bem distantes e com culturas completamente diferentes da nossa, é natural que sejamos invadidos por nomes que até, muitas vezes, nem sabemos pronunciar e escrever. Estão aí. Estão aí com uma fortíssima tendência para aumentar. E o aumento absoluto e relativo tem a ver com o contínuo e continuamente acelerado colapso demográfico dos indígenas, em contraposição com uma natalidade extremamente significativa de quem cá chega de outras culturas. É a realidade nua e crua.

Protestar? Insultar? NÃO! A culpa, se há culpa, não é de quem chega, mas de quem está cá e da cultura que despreza, abomina e odeia.

Não sei se ainda vamos a tempo de um exame de consciência sobre a situação a que chegamos. Creio que a situação é já irreversível. Nós, os indígenas lusos, queremos conforto, prazer, festas, praias, cruzeiros, carros de marca, relógios topo de gama… E ter filho(s) dá trabalho e preocupações. Quem está para isso?

Ter o sentimento da nossa pertença a uma cultura cristã, mesmo entre aqueles que não são praticantes, desvaneceu-se. Perdemos, muitos dos nossos contemporâneos, a memória dos nossos costumes, hábitos e tradições. Até na gastronomia se preferem sabores importados: os “hambúrgueres” ao cozido à portuguesa ou ao arroz de lampreia… E até o vinho vai perdendo preferências, sendo substituído por bebidas “postiças” de importação.

Escrevi estas linhas no dia em que, por decisão do Papa S. João Paulo II Magno, se reintroduziu a festa (memória) do Santíssimo Nome de Maria (12 de Setembro), Aquele que deu o seu nome a pobres e ricos e que, deste modo, era homenageado durante gerações sucessivas.

Afinal, esta “crise” dos nomes das pessoas revela-nos um pouco da crise de Fé que estamos a viver e da profunda transformação cultural que está a desfigurar profundamente a nossa identidade.

Não podemos esquecer que já estamos a viver (n)uma Cultura pós-Cristã. Sinto, na realidade, que vivemos já noutra cultura.

…E em Portugal? Em Portugal estamos em pleno “lusocídio”, não tenho a menor dúvida! Sinto-o. Basta ver a brutal falta de conhecimento dos grandes episódios da nossa História e dos nomes dos cabouqueiros das nossas origens.

Carlos Aguiar Gomes

Abrégé – L’auteur fait une brève analyse du procès de “lusocide” en marche, à partir des prénoms des Portugais en usage aujourd’hui au Portugal et qui sont un des signes d’une autre culture, d’une culture post-chrétienne, et où la présence d’immigrés d’autres cultures et religions dénonce l’approche d’une autre culture.

 


O PADRE BERNARDINO BARROS – GOMES

Sou um leitor viciado! Desde os meus onze anos que tenho e mantenho um gosto imenso por ler. E, como se popularmente se diz que “burro velho não toma andadura e se a toma pouco lhe dura”, com a idade que tenho, já não tenho emenda. Quando vejo uma livraria não resisto a entrar e procurar... muitas vezes sem saber o que procuro, um livro que me desperte a atenção.

Há poucas semanas, quando regressava a casa de Lisboa, na estação de Santa Apolónia, onde há uma livraria que conheço há anos, lá entrei com a minha curiosidade comigo. Entre os vários livros que comprei, um, particularmente, chamou a minha atenção e que já li. Trata-se de uma obra do Padre Bráulio Guimarães, CM, que, de todo, não conhecia e o título é: “Padre Barros-Gomes – vítima da república”, personagem para mim, totalmente desconhecida (edição da “Aletheia” de 2006 e com um excelente prefácio do Cardeal Dom Manuel Clemente).

São 390 páginas de bom português e, do ponto de vista do rigor científico, magnífico, pois todas as citações, e são 531, confirmam o que o autor vai escrevendo.

Mas quem é este mártir da nossa 1ª República, um dos primeiros mártires barbaramente assassinado logo a 5 de Outubro de 1910, vil e inocentemente torturado por… ser padre?

A vida de Bernardino Barros-Gomes vai de 30 de Setembro de 1839 a 5 de Outubro de 1910. Nasceu em Lisboa no seio de uma família burguesa, onde recebe uma educação normal para a época e para aquele grupo social e em que a formação religiosa se fazia mais de ritos do que de doutrina.

A seguir, a sua vida académica passa, centralmente, por Coimbra e Alemanha. Torna-se um Engenheiro Silvicultor, como seria chamado hoje. Tem uma paixão enorme por plantas, área em que se pode considerar um sábio. A sua passagem pela Alemanha traz-lhe uma visão arejada e inovadora na área florestal e que o vai tornar uma referência nacional. Desempenha vários cargos importantes nas matas nacionais e escreve relatórios e projectos que são considerados obras-primas.

Na sua curta, mas produtiva passagem pela Alemanha, traz também a sua esposa, uma senhora alemã luterana, com quem viveu casado 13 anos e de quem teve três filhas. Apesar de passar muitas vezes longos períodos fora do seu lar, tem sempre o cuidado de escrever assiduamente à sua mulher, que muito amava, e às filhas. Sempre atento à educação destas, que queria bem formadas para um futuro que não impunha.

Quer para a mulher, de religião diferente, nunca se cansou de lhe fazer chegar mensagens claras e respeituosas sobre a sua religião, quer para as filhas, por quem nutria um grande amor e que queria educadas integralmente. Para ambas, mulher e filhas, nunca se esquecia de lhes lembrar o amor activo pelos pobres que ele praticava de forma cristãmente desinteressada, atenta e pronta.

O amor pelos pobres, sobretudo pelos mais pobres entre os pobres, amor que o acompanhou até sua morte, fez-lhe aderir aos ideais de S. Vicente de Paula e à obra deste, que ainda hoje existe — as Conferências de S. Vicente de Paula — e de que foi fundador em muitas vilas e cidades por onde passou.

Como referi, Barros-Gomes casou e foi muito feliz na sua vida matrimonial. Porém, esta doçura terminou quando sua mulher morreu, na Alemanha natal, onde estava em visita às duas filhas mais velhas que tinham ido estudar para um colégio católico neste país. Este triste acontecimento, passado pouco tempo, vai mudar-lhe a vida.

O engenheiro Barros-Gomes, contra todas as expectativas da família, decide ingressar na Ordem dos Lazaristas, Congregação da Missão, fundada por S. Vicente de Paula, que muitíssimo o fascinava por causa da sua entrega total aos pobres. Depois do percurso de formação, é ordenado Sacerdote, sem nunca estar perto das três filhas. Não uma presença formal, mas uma presença activa.

Agora, já Sacerdote, continua e amplia a sua acção para minorar ao máximo a pobreza. Não se mete na política, tão agitada no seu tempo e em que era fácil cair na tentação de “fazer” política. Não o fez porque o seu foco eram os pobres e só os pobres lhe interessavam.

…E chega a revolução que culmina em 5 de Outubro com a proclamação da República. Desde o dia três que havia grande agitação em Lisboa (esta revolução é essencialmente urbana e lisboeta) e, nesta agitação, há uma perseguição feroz aos padres e religiosos, que são insultados, enxovalhados e muitos agredidos. Muitas casas de religiosos são assaltadas e atacadas.

O Padre Barros-Gomes estava com alguns “lazaristas” e crianças numa das suas casas de Lisboa, já todos preparados para o pior, sem as vestes talares e recolhidos na Biblioteca depois de terem recebido a absolvição dada pelo Superior. A casa é assaltada e vandalizada, até que chegam, aos urros, a esta divisão que estava escurecida. Só lá estava o Padre Barros-Gomes, de joelhos e orando. Sairam todos, só Barros-Gomes ficou.

“…Aí irromperem pela biblioteca dentro depois da morte do Padre Fragues, os assaltantes distinguem na sala deserta (…) a cabeça alvinitente do venerando septuagenário. Mais um – gritam furiosos. Estala um tiro. O Padre Barros-Gomes cai de bruços sem um queixume (…)”

Este livro mexeu comigo. Espero que algum dos meus leitores tenha a oportunidade de o ler.

Carlos Aguiar Gomes



Lisboa, 30 setembro 1839 — Lisboa 5 outubro 1910
Palavras-chave: ordenamento florestal, geografia, cartografia, Administração-Geral das Matas.
DOI: https://doi.org/10.58277/YFRA4028

Bernardino Barros Gomes foi um engenheiro silvicultor que introduziu em Portugal os métodos científicos do ordenamento florestal. Para sustentar o fomento deste ordenamento, lançou-se em estudos sobre flora, relevo, clima e agricultura, com trabalhos de campo e levantamentos cartográficos até chegar à uma visão integradora do país que esteve na base da construção da geografia científica em Portugal.

Bernardino Barros Gomes nasceu e cresceu no seio de uma família com longa tradição ligada à Medicina e à Ciência: bisneto do médico José Manuel Gomes (1733–?), neto de Bernardino António Gomes (1768–1823), médico e botânico que isolou o antipirético cinchonina na casca da quina, e filho de Bernardino António Gomes (1806–1877) e Maria Leocádia Fernanda Tavares de Barros. O pai foi lente de Medicina e médico do Paço, colaborando em vários jornais científicos. O ambiente familiar foi propício ao estudo assíduo e à curiosidade científica, sobretudo no domínio das ciências naturais.

Em 1843, nasceu o seu irmão Henrique, que fez carreira como economista e na política. Barros Gomes frequentou um colégio de Lisboa, continuando os seus estudos em Coimbra após a morte da sua mãe em 1853. Nesta cidade, então a única no país com universidade, matriculou-se nas Faculdades de Matemática e de Filosofia. Na primeira, obteve o bacharelato em 1859. Na segunda, ficou particularmente atraído pelo ensino da química e das ciências naturais, acabando a licenciatura em 1860.

O jovem Barros Gomes apaixonou-se pela botânica, que o levou a passar férias e tempos livres estudando e classificando as plantas com Carlos Maria Gomes Machado (1828–1901), que recolhia espécies para os herbários da Universidade. Em 1860, partiu para a Universidade de Leipzig, onde se inscreveu num curso de aperfeiçoamento em química. Encontrou em Leipzig um estudante polaco, J. Rivoli, com quem travou uma longa amizade e partilhou uma expedição científica na serra da Estrela.

Em 1861, matriculou-se num curso para alunos estrangeiros na Real Academia Florestal e Agrícola da Saxônia, em Tharandt, fundada em 1811 pelo pioneiro da ciência florestal alemã, Heinrich Cotta. Em 1862, a Real Academia conferiu-lhe o diploma final de especialização, com ótimos resultados e a confirmação do seu futuro desempenho profissional. Também foi em Tharandt que o jovem estudante conheceu Elisa de Wilcke, com quem se casou em 1866. A ligação com a escola de Tharandt e seus professores permaneceu forte e Barros Gomes continuou a visitá-la na procura dos últimos progressos da ciência florestal.

Divulgou em Portugal as inovações técnicas relevantes de Max Robert Pressler, inventor de uma sonda e das tabelas florestais para cálculo dos volumes dos arvoredos. O botânico Heinrich Moritz Willkomm, que talvez fosse o seu professor, estudou as coleções de plantas de Barros Gomes ao escrever Prodromus Florae hispanicae. Nunca deixou de aproveitar viagens no estrangeiro para tratar de assuntos científicos, privando, entre outros, com Frederich Welwitsch acerca do regresso dos herbários de Angola a Lisboa e outros botânicos em Londres. Encontrou-se com colegas espanhóis na Escuela de Ingenieros de Montes de Villaviciosa; por outro lado, outros nunca faltaram em recensear algumas das suas obras na Revista de Montes.

Regressado da Academia de Tharandt em 1863, Barros Gomes iniciou logo a atividade profissional na Repartição de Agricultura do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (MOPCI), que integrava a Administração-Geral das Matas. Foi encarregue de estudar os pinhais de Vale de Zebro e da Machada, perto do Barreiro, na ausência completa de informação prévia. Em 1864, apresentou um notável relatório, com estudo do meio natural e medições do arvoredo. Foi o primeiro trabalho sobre ordenamento florestal realizado no país, tendo o próprio autor procedido ao levantamento topográfico.

Entretanto, em 1863, tinha publicado os seus primeiros artigos no Arquivo Rural, onde desenvolveu a prática do ordenamento florestal na Alemanha. Finalizado outro estudo sobre os efeitos da resinagem na produção lenhosa dos pinhais de Leiria, o reconhecimento da sua competência valeu-lhe ser nomeado, ainda em 1864, engenheiro do corpo civil na mesma Repartição da Agricultura do MOPCI. Em 1865, fez parte de uma comissão de estudo sobre Cabo Verde, produzindo um relatório sobre a arborização desta província portuguesa.

A consagração destas atividades não se fez esperar: com apenas 25 anos, foi nomeado sócio correspondente da Academia Real das Ciências. A par das atividades e relatórios profissionais, Barros Gomes escreveu numerosos artigos até ao fim da sua carreira sobre assuntos diversificados da botânica, floresta e agricultura. Alguns foram a base para estudos de maior relevo, outros resultaram de conferências proferidas em diferentes locais.

Prosseguiu os trabalhos em prol do ordenamento florestal nos pinhais de Vale de Zebro e da Machada e Leiria, até que, desiludido pelos rumos da política florestal, pediu a demissão em 1868. Foi-lhe concedida uma licença renovada até 1872. Durante estes anos, continuou os seus estudos, trabalhos de campo e divulgação técnica.

Em 1872, após uma reforma da orgânica dos serviços florestais, voltou ao serviço, iniciando-se então o período mais fecundo da obra de Barros Gomes como engenheiro florestal e cientista. Foi sucessivamente nomeado diretor das Divisões Florestais Norte (1872), Sul (1874) e Centro (1879). As suas deslocações profissionais no país e os respetivos trabalhos de campo deram-lhe um conhecimento ímpar do ambiente natural e da vegetação.

Elaborou trabalhos de síntese onde reuniu as suas observações e outras informações disponíveis de carácter orográfico, climático, botânico e florestal, acompanhadas por uma cartografia inovadora. Com o colega silvicultor Pedro Roberto da Cunha e Silva, preparou uma carta orográfica e regional de Portugal (1875), tendo por base a carta geográfica dirigida por Filipe Folque (1865), que representou o relevo com a nova técnica das curvas de nível.

Elaborou também uma série de nove mapas com a distribuição das principais espécies florestais que permitiram a preparação da carta xilográfica ou dos arvoredos; esta série na escala 1:1 000 000 foi publicada no último Relatório da Administração Geral das Matas de 1879–1880. As duas cartas do relevo e dos arvoredos (escala 1:2 300 000) foram premiadas na Exposição de Filadélfia de 1876, para a qual Barros Gomes preparou todo o material, e integraram o primeiro trabalho do núcleo da obra científica de Barros Gomes, as Condições Florestaes de Portugal.

Nesta obra, o cientista debruçou-se particularmente sobre a base naturalista — relevo, exposição, clima, geologia — e desenvolveu o comentário sobre a divisão regional do país, para apresentar a repartição das espécies florestais, utilizando fontes bibliográficas atualizadas em todas os domínios de conhecimento.

Na “Notice sur les arbres forestiers du Portugal”, escrita em francês para a Exposição de Paris (1878), Barros Gomes apresentou uma reflexão sobre os processos de desarborização/florestação, procurando uma explicação ligada às mutações socioeconómicas que o país estava a atravessar.

Finalmente, em 1878, publicou as Cartas Elementares de Portugal para uso das escolas. No prolongamento da preocupação da época, a última obra de fôlego de Barros Gomes foi concebida no intuito de contribuir à melhoria do ensino pela difusão dos conhecimentos. O autor reuniu cinco mapas, dois dos quais já estavam publicados (cartas dos concelhos, do relevo e regional, dos arvoredos, agronómica e da povoação concelhia), larga e devidamente comentados.

Barros Gomes desenvolveu uma análise inovadora e integradora das “condições physicas e sociaes” do país e da divisão regional com base natural que já tinha esboçado nas Condições Florestaes. A influência direta das Cartas Elementares prolongou-se até meados do século XX nas propostas de divisão regional dos geógrafos Aristides de Amorim Girão, Hermann Lautensach e Orlando Ribeiro.

Na sua correspondência, o próprio cientista reconheceu durante a elaboração desta última obra que, pondo os seus conhecimentos ao serviço da sociedade, cumpria uma forma mais plena de apostolado cristão. Desde meados dos anos 1870, Barros Gomes vivia mais intensamente a sua fé e trabalhava na Conferência Vicentina de Lisboa.

No ano seguinte à publicação das Cartas Elementares, mudou o rumo da sua vida com o súbito falecimento da mulher, dois meses antes de tomar posse como diretor da Divisão Florestal do Centro. Consagrou-se ao Pinhal de Leiria, com uma nova planta e um plano decenal de ordenamento, colaborando também com João Inácio Ferreira Lapa e Jaime Batalha Reis num estudo sobre a resinagem.

Em 1882, pediu a exoneração do cargo. Assegurou o futuro das três filhas e ingressou em 1883 na Congregação da Missão (Padres Lazaristas), tendo sido ordenado presbítero em 1888. Desde 1903, o padre Barros Gomes passou a ensinar Ciências Naturais e Físico-Químicas no colégio de Arroios da Congregação, quando foi assassinado no dia 5 de outubro de 1910 nesta casa, durante os distúrbios que acompanharam a instauração da República.

Nicole Devy-Vareta
CEGOT, Universidade do Porto

Arquivos
Lisboa, Arquivo da Biblioteca do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
Lisboa, Arquivo da Congregação da Missão, Padres Vicentinos.

Obras

  • Gomes, Bernardino Barros. “Estudos florestaes.” Archivo Rural 5(17, 19, 20, 21, 22) (1863): 462–465, 513–516, 541–545, 570–577, 599–605; 6 (2) (1863): 35–41.

  • Gomes, Bernardino Barros. Cultura das plantas que dão a quina, com cinco estampas lithografadas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1864.

  • Gomes, Bernardino Barros. Relatorio florestal sobre as matas da Machada e Valle de Zebro. Lisboa: Imprensa Nacional, 1865.

  • Gomes, Bernardino Barros. Novas taboas florestaes de Pressler reduzidas ao systema metrico e accommodadas ao uso portuguez. Lisboa: Lallemant Frères, 1875.

  • Gomes, Bernardino Barros. Condições florestaes de Portugal, illustradas com as cartas orographica, xylographica e regional, os perfis transversaes e as curvas meteorologicas mais caracteristicas. Lisboa: Lallemant Frères, 1876.

  • Gomes, Bernardino Barros. Exposição de Philadelphia. Administração Geral das Matas do Reino. Portugal. Lisboa: Lallemant Frères, 1876.

  • Gomes, Bernardino Barros. “Étude sur les espèces de chênes forestiers du Portugal.” Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes 5 (20) (1876): 235–241.

  • Gomes, Bernardino Barros. “Notice sur les arbres forestiers du Portugal.” Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes 6 (22) (1877): 110–129.

  • Gomes, Bernardino Barros. Cartas elementares de Portugal para uso das escolas approvadas para as escolas primarias pela Junta Consultiva de Instrucção Publica, e duas d’ellas duas vezes premiadas na exposição de Philadelphia de 1876. Lisboa: Lallemant Frères, 1878.

  • Gomes, Bernardino Barros. “Observações florestaes de uma jornada pela Beira feita em Agosto de 1876.” Boletim da Sociedade Broteriana 27 (1917): 198–211.

Bibliografia

  • Almeida, Antonio Mendes de. “Elogio historico do silvicultor Bernardino Barros Gomes.” Revista Agronómica 15 (1920): 1–21.

  • Devy-Vareta, Nicole e João Carlos Garcia. “Bernardino Barros Gomes e a silvicultura no desenvolvimento da geografia portuguesa oitocentista.” Revista da Faculdade de Letras 12(5) (1989): 139–148.

  • Devy-Vareta, Nicole, José Resina Rodrigues e João Carlos Garcia. “Introdução”. In Cartas elementares de Portugal para uso das escolas, III-XVI. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1990.

  • Guimarães, P. Bráulio. Padre Barros Gomes, vítima da República. Lisboa: Alêtheia Editores, 2006.

  • Ribeiro, Orlando. “Barros Gomes, geógrafo.” Revista da Faculdade de Letras de Lisboa 2(1) (1934): 104–112.

  • https://dicionario.ciuhct.org › gomes-bernardino-barros


 

 19 OUT 1984 | Padre Jerzy Popiełuszko é sequestrado e assassinado pela polícia política

comunista polaca



Na noite de 19 de outubro de 1984, o padre Jerzy Popiełuszko, capelão da Solidarność (Solidariedade), foi sequestrado e brutalmente assassinado por agentes do Serviço de Segurança (Służba Bezpieczeństwa, SB) — a polícia política do regime comunista polaco. Tinha apenas 37 anos. O seu martírio tornou-se um símbolo da luta espiritual e moral contra a opressão totalitária, e um marco decisivo no enfraquecimento do regime comunista que cairia poucos anos depois.
:: Um sacerdote da verdade e da liberdade ::
Jerzy Popiełuszko nasceu em 1947, em Okopy, uma pequena aldeia do leste da Polónia. Ordenado sacerdote em 1972, destacou-se pelo seu compromisso pastoral junto dos operários e perseguidos políticos, especialmente após a fundação do sindicato Solidarność em 1980 — um movimento operário independente que, inspirado pela Doutrina Social da Igreja e pelo Papa João Paulo II, desafiava o regime comunista.
Durante a Lei Marcial (1981–1983), quando o governo comunista reprimiu violentamente a oposição, Popiełuszko celebrava missas pela pátria (“Msze za Ojczyznę”) na igreja de São Estanislau Kostka, em Varsóvia. Nessas celebrações — que reuniam milhares de fiéis — o padre denunciava a mentira, o medo e a injustiça impostos pelo regime, sempre apelando à verdade, à coragem e à não-violência, citando as palavras de São Paulo:
“Não te deixes vencer pelo Mal, mas vence o Mal com o Bem.” (Rm 12,21)
O regime via-o como uma ameaça direta. A imprensa controlada pelo Partido atacava-o, chamando-o de “inimigo do Estado”, e os serviços secretos colocaram-no sob vigilância permanente.
:: O sequestro e assassinato ::
A 19 de outubro de 1984, após celebrar uma missa em Bydgoszcz, o padre Jerzy regressava a Varsóvia acompanhado pelo motorista, Waldemar Chrostowski. Durante o percurso, o carro foi interceptado por agentes do SB — Grzegorz Piotrowski, Waldemar Chmielewski e Leszek Pękala — que o sequestraram e espancaram brutalmente.
Chrostowski conseguiu escapar atirando-se do carro em movimento, mas Popiełuszko foi levado, torturado e, finalmente, assassinado com uma pancada na cabeça e jogado ao rio Vístula, preso por pedras e amarrado com cordas. O corpo foi encontrado dez dias depois, a 30 de outubro de 1984, perto de Włocławek.
A morte do padre causou comoção nacional e internacional. Milhares de polacos, desafiando o medo, compareceram ao funeral em Varsóvia — entre 400 000 e 1 000 000 de pessoas. O próprio Lech Wałęsa, líder do Solidarność, declarou:
“O padre Jerzy morreu, mas a sua fé e o seu exemplo não morrerão jamais.”
:: Reações e consequências ::
O assassinato de Popiełuszko expôs as entranhas do regime comunista. Mesmo entre os apoiantes do governo, muitos ficaram horrorizados. O julgamento dos três agentes e de um superior direto, realizado em 1985, confirmou a culpa dos executores, mas as responsabilidades políticas superiores foram encobertas. Ainda assim, o caso enfraqueceu profundamente a legitimidade moral do regime e deu novo fôlego à resistência pacífica liderada pela Igreja e pelo Solidarność.
Com o tempo, Popiełuszko tornou-se símbolo do martírio cristão moderno. Em 2010, o Papa Bento XVI beatificou-o como Beato Jerzy Popiełuszko, mártir da fé e da verdade, e o seu túmulo em Varsóvia é hoje local de peregrinação.
O assassinato do padre Jerzy Popiełuszko, a 19 de outubro de 1984, foi mais do que um crime político — foi o martírio de um sacerdote que ousou pregar a verdade num regime de mentira. O seu testemunho uniu fé e liberdade, coragem e perdão, mostrando que a força espiritual pode vencer a violência do poder.
O comunismo polaco caiu poucos anos depois, mas a memória de Popiełuszko permanece viva como sinal de que a verdade não se pode silenciar, e que o amor à pátria e a fidelidade a Deus podem triunfar até sobre o terror de um Estado totalitário.

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

DIA NO ARCANJO S. MIGUEL e as Preces leoninas

 

León XIII y la oración a San Miguel: hoy es más necesaria que nunca

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La Iglesia celebra este 29 de septiembre la fiesta de San Miguel Arcángel, jefe de la milicia celestial. Con ella, vuelve a la memoria de muchos la oración compuesta por el Papa León XIII a finales del siglo XIX, cuya historia sigue suscitando asombro y que el sacerdote exorcista Gabriele Amorth vinculó directamente con una visión.

El momento decisivo de León XIII

Diversos testigos afirman que todo ocurrió el 13 de octubre de 1884, tras la Misa matutina. León XIII, que permanecía en oración, quedó de pronto sobrecogido, con el rostro demudado y la mirada fija en algo invisible. Después se retiró apresuradamente a su despacho, donde redactó en apenas unos minutos la oración a San Miguel Arcángel. Poco después ordenó su difusión en toda la Iglesia, incorporándola en 1886 a las llamadas “oraciones leoninas” que se recitaban al final de la Misa.

Según el relato transmitido, el Pontífice escuchó al diablo desafiar a Dios, asegurando que podría destruir la Iglesia si se le concedían cien años de poder. La escena evocaba el comienzo del Libro de Job, donde Satanás obtiene permiso para poner a prueba al justo. Consciente de la gravedad de lo que había presenciado, León XIII pidió la protección de San Miguel contra las asechanzas del maligno.

El vínculo con Fátima y el Apocalipsis

El detalle de la fecha es sugestivo: aquel 13 de octubre de 1884 fue exactamente 33 años antes del gran Milagro del Sol en Fátima, el 13 de octubre de 1917, donde la Virgen María, descrita en el Apocalipsis como la “mujer vestida de sol”, volvió a reafirmar la victoria de Dios sobre el dragón. Una coincidencia que muchos consideran providencial en la historia espiritual del último siglo.

Dos oraciones de combate

La más conocida es la versión breve, que millones de católicos siguen rezando:

San Miguel Arcángel defiéndenos de la pelea.
Sé nuestro amparo contra la maldad y las asechanzas del demonio.
¡Reprímele Oh Dios como rendidamente te lo suplicamos!

Y tú, Príncipe de las Milicias Celestiales,
armado del Poder Divino,
precipita al infierno a Satanás y todos los espíritus malignos
que para la perdición de las almas,
vagan por el mundo,

Amén.

Pero en 1890, León XIII aprobó también una versión más extensa, publicada en el Acta Apostolicae Sedis, en la que describe con crudeza la acción de Satanás en el mundo: la mentira, la impiedad, la blasfemia y la corrupción moral, que buscan destruir a la Iglesia y perder las almas. En ella, el Papa pide a San Miguel encadenar al dragón infernal y precipitarlo en el abismo.

Oh, Glorioso Príncipe de las huestes celestiales, San Miguel Arcángel, defiéndenos en la batalla y en la terrible guerra que libramos contra los principados y potestades, contra los gobernantes de este mundo de tinieblas, contra los espíritus malignos. Ven en ayuda del hombre, a quien Dios Todopoderoso creó inmortal, hecho a su imagen y semejanza, y redimido a un gran precio de la tiranía de Satanás.

Lucha hoy la batalla del Señor, junto con los santos ángeles, como ya luchaste contra Lucifer, el líder de los ángeles orgullosos, y su hueste apóstata, quienes fueron incapaces de resistirte, pues ya no había lugar para ellos en el Cielo. Esa cruel y antigua serpiente, llamada diablo o Satanás, que seduce al mundo entero, fue arrojada al abismo con sus ángeles. Mira, este enemigo primigenio y asesino de hombres ha cobrado valor. Transformado en ángel de luz, vaga con toda la multitud de espíritus malignos, invadiendo la tierra para borrar el nombre de Dios y de su Cristo, para apoderarse, matar y arrojar a la perdición eterna a las almas destinadas a la corona de la gloria eterna. Este malvado dragón derrama, como un diluvio impuro, el veneno de su malicia sobre los hombres de mente depravada y de corazón corrupto, el espíritu de mentira, de impiedad, de blasfemia, y el aliento pestilente de impureza y de todo vicio e iniquidad.

Estos astutos enemigos han llenado y embriagado de hiel y amargura a la Iglesia, esposa del Cordero inmaculado, y han puesto manos impías sobre sus bienes más sagrados. En el mismo Lugar Santo, donde se ha erigido la Sede de San Pedro y la Cátedra de la Verdad como luz del mundo, han erigido el trono de su abominable impiedad, con el inicuo designio de que, al ser herido el Pastor, las ovejas se dispersen.

Levántate, pues, oh Príncipe invencible, trae ayuda al pueblo de Dios contra los ataques de los espíritus perdidos y dales la victoria. Te veneran como su protector y patrono; en ti se gloría la santa Iglesia como su defensa contra el poder maligno del infierno; a ti ha confiado Dios las almas de los hombres para que se establezcan en la bienaventuranza celestial. Oh, ruega al Dios de la paz que ponga a Satanás bajo nuestros pies, tan vencido que ya no pueda mantener a los hombres cautivos ni dañar a la Iglesia. Ofrece nuestras oraciones a la vista del Altísimo, para que pronto hallen misericordia ante el Señor; y, venciendo al dragón, la serpiente antigua, que es el diablo y Satanás, hazlo cautivo de nuevo en el abismo, para que ya no seduzca a las naciones. Amén.

Vigencia de una oración profética

Tras el Concilio Vaticano II, las oraciones leoninas dejaron de rezarse de manera obligatoria, pero la oración a San Miguel nunca fue abolida. Hoy, en medio de la secularización y de la batalla cultural y espiritual que atraviesa Occidente, su súplica resuena con fuerza renovada.

Más de un siglo después, la intuición de León XIII se revela profética: el combate espiritual no ha cesado, y la Iglesia sigue necesitando el auxilio del príncipe de la milicia celestial frente a los embates del maligno.(Infovaticana, 29.IX.25)

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

 " É como uma Morte sem Funeral"



Sabia da dor dos pais dos bebés abortados? Fala-se da principal vítima do aborto, o bebé não nascido. Também da mulher, muitas vezes sujeita a pressões por parte da família, do companheiro ou do trabalho.

Mas há uma vítima silenciosa: o pai.
O diretor de Comunicação do Comité Nacional pelo Direito à Vida dos EUA, Raimundo Rojas, escreveu um artigo sobre o tema na imprensa americana.

Os dados são dos EUA, mas podes imaginar que são perfeitamente aplicáveis. Atenção:

  • Um terço dos homens desejava exercer a sua paternidade e tem de lidar com o luto de não o poder fazer.

  • 40% sofrem de stress pós-traumático crónico; por vezes até 15 anos depois.

  • 88% sofrem luto.

  • 82% sentem culpa. “E se tivesse feito isto ou aquilo para o evitar?”

  • 70% sofrem ansiedade ou ira.

Não são estatísticas; são pessoas.

Não são dores fictícias; são reais, ainda que tenham sido silenciadas…

Não é uma dor inventada; é uma dor assente num dano real: roubaram-lhes o filho, ignoraram-nos na sua paternidade, desvalorizaram-nos social e legalmente.

Um desses pais diz que vivem “uma morte sem funeral”. Porque não há direito ao luto, nem enterro, nem famílias que consolem. Nada.

São pais sem paternidade.

E tudo isto, em silêncio, com sentimento de culpa e vergonha. Porque – além disso – o sistema legal não lhes reconhece qualquer direito: paga e cala.

Assim, alguns optam por recorrer à justiça. É o caso de Jerry Rodríguez, que processou no Texas o médico californiano Remy Caeytaux por ter enviado por correio a pílula abortiva à sua companheira. Acusa-o de homicídio involuntário e pede 75.000 dólares.

Não é um caso isolado. Já se começam a multiplicar processos deste tipo porque os homens reclamam o seu espaço. São pais, mas foi-lhes negado o seu direito reprodutivo. E isso não é justo.


Na passada segunda-feira, o Vox pediu a retirada do financiamento público para o aborto. Porque o aborto não é saúde. O dinheiro público deve ser destinado a ajudar as mães com dificuldades.

E na passada quarta-feira, Ayuso propôs que os não nascidos contem como família desde a conceção. Desde a primeira ecografia, passam a contar como mais um irmão para todos os efeitos na Comunidade de Madrid. As famílias já lhes fazem espaço em casa e escolhem-lhes o nome. A administração, com boa lógica, faz o mesmo.

 Pouco a pouco, a cultura da vida vai-se impondo.

 A cultura da vida vai-se impondo, graças a Deus.

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sábado, 23 de agosto de 2025

 ACADEMIA MARIANA “THEOTOKOS”

Curta Reflexão XX

PAX





(Lafond, Dom Gérard, OSB, L’éveil du regard. Origine et destinée de la Création, Lethielleux – Groupe Parole et Silence, Paris, 2010, 647 p., 235 x 150, ISBN 978-2-249-62045-4)

O Fundador dos Cavaleiros de Nossa Senhora, Dom Gérard Lafond OSB, era um verdadeiro monge beneditino: rezava e trabalhava. Profundamente mariano. Morreu cedo, mas deixou uma obra notável, sobretudo escritos dirigidos aos seus filhos espirituais, os Cavaleiros de Nossa Senhora.

O livro que ilustra esta Curta Reflexão chegou ao seu mosteiro no dia em que faleceu. Já não teve tempo de apreciar uma das suas obras mais brilhantes.

O Cónego Doutor Jorge Coutinho, do Cabido de Braga e Professor da Universidade Católica (Braga), falecido em 9 de Novembro de 2015, deixou uma recensão magnífica sobre este livro na revista Theologica, da Universidade Católica Portuguesa.

Esta recensão foi publicada, como se disse, na revista Theologica (2010, ano da morte de Dom Lafond).

Transcreve-se, na íntegra, esta recensão para que se possa aquilatar um pouco da sabedoria e da personalidade inquieta de Dom Gérard Lafond, vista por um brilhante intelectual português:


“Dom Gérard Lafond, quarto Abade do mosteiro beneditino de Wisques (França), escreveu este grosso volume a partir da sua própria prática da lectio divina, não deixando de convidar à sua leitura em modo próximo daquela, meditativo e orante.

A ideia de fundo, que atravessa todo o texto e é sugerida pelo título e pelo subtítulo do livro, é a de que boa parte dos homens e mulheres do início do terceiro milénio carecem de despertar o seu olhar sobre o mundo, não propriamente para se espantarem e maravilharem como as crianças, mas para se interrogarem sobre a questão mais fundamental e decisiva: de onde vimos e para onde vamos – nós e o mundo que habitamos?

O caso é que, como em certa parte da sua obra escreve J.-P. Sartre, a condição de muitos é a de quem acordou em plena viagem numa história de loucos, sem saber de onde vem nem para onde vai. E, pior, eles tão pouco se inquietam com isso. Ou então, como diria Frossard, delegam na ciência a resposta para todas as suas inquietações.

Só que a ciência só em parte menor pode responder e deixa necessariamente sem resposta a questão essencial sobre o sentido último do homem e do mundo. Só a fé religiosa, em plano meta-científico ou metafísico, o pode fazer.

Ao longo de mais de seiscentas páginas, servindo-se de recursos filosóficos, exegéticos e teológicos, Dom Gérard Lafond procura mostrar como um olhar que desperta do seu sono positivista, quando não materialista, acaba por descobrir, maravilhado, que este Universo em evolução – do qual Jacques Monod disse, em Le hasard et la nécessité, que se oferece ao homem como a um cigano sem pátria, surdo à sua música, indiferente às suas esperanças, como aos seus sofrimentos e aos seus crimes – representa, para além da Criação originária, a contínua acção do Criador sobre ele e, com isso, a nova Criação a nascer diante dos nossos olhos, ou seja, a sua Transfiguração ou os novos Céus e nova Terra de que fala o Apocalipse.

Ciência e fé apresentam-se então, não como inimigas e excludentes entre si, mas em complementaridade epistemológica. Os temores, ou mesmo os medos, que se apresentam no panorama do mundo presente estão a convidar a um regresso à sabedoria, para além da ciência e da técnica.

Aquela há-de vir, quer de aprofundamentos filosóficos a que as últimas descobertas da ciência convidam, quer do aprofundamento do entendimento das verdades reveladas que, com a sabedoria, será também despertador da esperança para a humanidade. Indispensável será que a ciência saiba abrir-se para além de si mesma e, nos seus limites, que afinal são limiares, saiba dar lugar às instâncias de saber meta-científicas ou metafísicas. É nesse nível que se situa a fé.

No âmbito desta, há que redescobrir, muito particularmente, o Mistério da Encarnação e o Mistério Pascal. Com efeito, é com a entrada de Deus na história humana como um de entre os demais humanos e com a sua transcensão do mundo e do tempo pela Morte e Ressurreição gloriosa que se inscreve nesse mundo da Criação o dinamismo da Nova Criação.

Nesta linha, Dom Gérard Lafond convida a, depois de uma mudança de olhar, segui-lo neste livro «abrindo os olhos do coração à luz deífica, e sobretudo a embrenhar-se no caminho que conduz ao Reino partindo do claro-escuro dos começos para caminhar na iluminação pela Luz de Cristo, até, finalmente, chegar ao abrasamento do Amor no Espírito Santo, à glória do Pai» (p. 24).

Estas três vias próprias da vida espiritual são também as três grandes partes deste grosso volume, a um tempo feito de comentário bíblico, de teologia e de contemplação orante.

E não sem uma sensível dose de poesia na linguagem utilizada, não fosse a poesia a transfiguração do nosso olhar sobre as coisas e a re-criação da linguagem já gasta e vazia sobre o mais profundo das mesmas.

Oferece-nos deste modo um texto em que segue os grandes passos da história de Deus entrando na história do homem e do mundo.

Assim, na primeira parte, põe diante do leitor coisas como a cosmogonia bíblica, com relevo para o emergir da luz no caos primordial e do homem como imagem de Deus; a antropogonia e a queda ou o mistério do pecado original; a inexorável maré montante do mal; a sabedoria e o Verbo de Deus; terminando com o sugestivo capítulo «A Sua estrela no Oriente».

Na segunda parte – Iluminação –, coloca-nos diante da nova Luz que se levantou, do combate inaugural do Messias, dos sete dias da Nova Criação e de outros significativos passos da vida e acção de Jesus, com relevo para a Transfiguração e para a morte e descida aos infernos.

A terceira parte – O abrasamento – acompanha os factos em torno da Ressurreição, a Ascensão e a Vinda do Espírito Santo, dedicando um capítulo à luz no caminho de Damasco e outro ao Senhor do Apocalipse, terminando com o capítulo «Do tempo à eternidade».

Enfim, um livro extenso, que o autor recomenda seja lido aos bocadinhos, meditativamente, como quem, de adormecido no torpor de um olhar envelhecido, se deixa, fascinado, despertar para um novo olhar sobre si próprio e sobre o mundo.”

(Jorge Coutinho)

  ESTA “COISA” DOS NOMES DAS PESSOAS Quando António Variações lançou uma canção que teve enorme êxito e nela ele cantava: “Maria Albertina...