MONGES NO TRABALHO AGRÍCOLA ( Iluminura medieval)
“ O mosteiro, se possível ,deve ser
construído de tal maneira que todas as
coisas necessárias, isto é, água, moinho, horta, as diversas oficinas e
ateliês, existam no interior do mosteiro, de tal modo que os monges não tenham
necessidade de sair dela”. ( Regra de S. Bento, cap. 66 )
O
Santo Patriarca ao impor uma localização
bem definida para a fundação de cada mosteiro , estava, provavelmente, a
fazer uma verdadeira revolução no campo da Agricultura. De facto, com esta
obrigação e, simultaneamente com a disseminação por toda a Europa, da Atlântico
aos Urais, do Mediterrâneo à Escandinávia, da vida inspirada pela sua Regra,
quer na tradição de Cluny ( monges negros ) quer na de Cister ( monges brancos
) e até nas Ordens de Cavalaria, S. Bento é o Pai não só da Europa como dos
fundamentos de uma maior quantidade e diversidade de produtos agrícolas, de
técnicas de irrigação dos campos, de
secagem de pântanos, entre outros contributos que os filhos espirituais
de S. Bento deram e continuam a dar neste campo da cultura humana.
Um monge beneditino brasileiro,
Dom Lourenço de Almeida Prado, no seu livro bem interessante - “ São
Bento e a Sua Obra “ ( ed.Lumen Christi”
, Rio de Janeiro, 1978 )- escreveu:”… tornou-se norma comum , a partir
do século VI, que os mosteiros, apenas
construídos, fossem rodeados de actividades produtivas. O trabalho era
distribuído entre os monges: uns tomavam a foice, a enxada e o podão e se
embrenhavam pelas florestas, que sulcavam
de caminhos, abrindo , de espaço a espaço,grandes clareiras. Os pântanos
eram drenados e secos, açudes eram construídos , a terra preparada e, assim,
aos poucos iam surgindo os prados e as culturas. Outros dedicavam-se a
aclimatar as essências, a introduzir os cereais e a organizar as hortas e os
pomares (… ) Não se ignora também o trabalho dos monges no aprimoramento das
culturas e , particularmente, na arte da enxertia e da irrigação (… ) A
piscicultura e a apicultura mereceram espacial atenção (… ) “. De facto, até à
actualidade, onde há monges / monjas de S. Bento ( beneditinos ou cisterciences
) cada mosteiro vive do seu trabalho e quase todos possuem terrenos agrícolas.
Na paisagem agrícola portuguesa, o contributo para o desenvolvimento da
riqueza agrícola está bem patente, mesmo para os mais distraídos , todos reconhecemos Alcobaça
e as suas frutas, Lafões e os seus vinhos, Amares ou, até, o pequeno mosteiro de Ermelo ( Arcos
de Valdevez ) deixou a sua marca nas afamadas laranjas. E que dizer do vale do
Douro onde Cister esteve tão presente ( Tarouca, Salzedas, etc) e que deixou
vinhos de altíssima qualidade?
Durante séculos os monges , filhos
de S. Bento, trabalharam as terras e ensinaram a fazê-lo aos vizinhos. Quem,
por exemplo, consultar as actas dos Capítulos trienais da Congregação
Portuguesa de S. Bento, pode sem dificuldade, constatar a enorme preocupação
dos monges em cultivar as suas propriedades e no investimento nas melhorias das
mesmas. Triénio a triénio, até 1834, podemos ver como os monges negros se
ocupavam das produções agrícolas. O mesmo para os Cisterciences, monges e
monjas.
Não se pode nem deve esquecer que foi a vida dos filhos espirituais de S.
Bento, no domínio da Agricultura, que esta passou de trabalho para escravos a
trabalho digno de todos os homens, pois as populações viam monges oriundos das
mais altas classes sociais dedicarem-se a arar, semear, cavar ou regar os
campos.
Na realidade, a Agricultura actual
deve muito a S. Bento, àquele pedacinho da Regra com que se inicia este
curtíssimo texto. Refiro novamente Alcobaça importante centro frutícola, que de
pântano passou à cidade que é hoje conhecida, sobretudo, pela sua fruta. E como
não referir Amares, aqui bem perto desta Basílica, a influência de dois grandes
mosteiros, Rendufe e Santa Maria de Bouro, ambos de filiação em S. Bento (
Rendufe, monges negros e Santa Maria de Bouro de cistercienses ), na qualidade
das excelentes laranjas desta zona?
Carlos Aguiar Gomes