Santa Rita, advogada dos impossíveis
Em Junho de 2015, participámos numa peregrinação beneditina, que,
além dos lugares marcados pela presença de S. Bento: Núrsia, Subiaco e Monte
Cassino, nos permitiu visitar também os
núcleos franciscanos de Assis e Monte Alverne , de
que conservamos inolvidáveis recordações, oportunamente, consignadas por
escrito.
Em Núrsia, pudemos visitar os restos da casa onde nasceram S. Bento
e sua irmã, Santa Escolástica, e recordámos que, a cerca de uma dúzia de
quilómetros, se encontrava Cássia e a Basílica de Santa Rita, que a falta de
tempo nos impediu de visitar. Limitamo-nos, por isso, a comprar, na livraria do
mosteiro beneditino, a obra referida na fotografia, que lemos com muito
interesse. A reprodução da capa pretende, essencialmente, divulgar a fachada da
Basílica, que, sobre a porta principal, ostenta esta inscrição latina, que é um
autêntico hino: SALVE RITA VAS
AMORIS SPONSA CHRISTI
DOLOROSA / TV DE
SPINIS SALVATORIS NASCERIS PULCHRA VT
ROSA, cuja tradução é esta: «Salve Rita, vaso de amor, esposa de Cristo dolorosa
/ dos espinhos do Salvador tu nasceste bela como uma rosa».
O actual recolhimento obrigatório permitiu-nos reler algumas passagens,
evocadas no título deste breve texto. É certo que, diariamente, somos
estimulados a pedir a Deus – Trindade Santíssima – e a Nossa Senhora a
protecção de que todos carecemos, podendo e devendo dirigir-lhes também esse
mesmo pedido de auxílio por intermédio dos Santos da nossa especial devoção.
Além disso, não deixará de vir a propósito observar que Santa Rita
é, particularmente, venerada no nosso e noutros concelhos do Alto Minho, mas, antes de voltarmos a este aspecto, convirá recordar o
fundamento do título «advogada dos impossíveis», que muitos leitores
terão ouvidos explicar, repetidas vezes, nos
sermões da sua festa, celebrada no santuário que lhe é dedicado, na
freguesia de Rouças – Melgaço. Mesmo assim, deixaremos algumas notas
biográficas muito breves para ajudar a situar o que pretendemos expor.
Filha de António Lotti e de Amarata Ferri, ambos já de avançada idade,
Rita terá nascido, em Rocaporena, segundo uns, em 1371, e, segundo outros, em
1381, admitindo todos que, à sua morte, tinha 76 anos, fixando-a, conforme o
ano do nascimento proposto: os primeiros, em 1447, e os segundos, em 1457.
Marcada pelo exemplo dos pais, profundamente cristãos e centrados
na meditação da Paixão de Cristo, que procuravam inseri-la na sociedade do
tempo, no ambiente e nível social mais adequado, tendo em vista o seu casamento,
Rita respondia que o seu objectivo era servir Jesus crucificado e morto por todos.
Apesar disso, ainda muito nova, em obediência aos pais, casou e teve dois
filhos, mas o projecto de viver unida a Cristo acompanhou-a sempre. Sofreu,
amargamente, quando lhe mataram o marido e, no meio de grande dor, soube perdoar
aos assassinos e suportar a morte dos filhos, que Deus lhe levou.
Viúva e privada dos filhos, decidiu entrar na vida religiosa para
mais intensamente viver unida a Cristo, mas os seus pedidos, foram,
sistematicamente, recusados pela abadessa e pelas monjas do Mosteiro de Santa
Maria Madalena de Cássia, até que lá foi, miraculosamente, colocada, no
claustro, por S. João Baptista, Santo Agostinho e S. Nicolau Tolentino, santos
da sua devoção.
Aceite e integrada na comunidade, viveu de forma exemplar,
crescendo, intensamente, o seu amor e união com Cristo crucificado, que
respondeu a este vivo desejo e ao intenso pedido de participar nas dores da Sua
Paixão, abrindo-lhe, na fronte, com um espinho da Sua coroa, uma chaga incurável,
que a obrigava a distanciar-se das outras monjas, durante largos anos, até ao
fim da vida.
Nesta intensa união com Cristo e participação amorosa nas dores da
Sua Paixão é que reside o fundamento e a garantia do êxito da intercessão de Santa
Rita em muitos assuntos, considerados de solução impossível, segundo os
critérios humanos.
Eis a grande lição que a todos deixou.
Os últimos quatro anos de vida, Santa Rita passou-os sempre muito
doente e quase não comia nem bebia, chegando as monjas que a tratavam a pensar que
o seu sustento era a comunhão assídua, vindo a falecer, em 22 de Maio de 1447, morte
assinalada pelo toque dos sinos, sem qualquer intervenção humana.
Para encerrar estas notas, recordemos o milagre da rosa e
dos figos, verificado no inverno anterior, e pouco divulgado entre nós.
Tendo, nesse inverno, uma parenta visitado Rita, ao despedir-se, perguntou-lhe
se precisava alguma coisa. Apesar de muito doente, disse-lhe que desejava uma
rosa e dois figos do quintal da visitante, que, dada a intensa cobertura de
neve, existente em toda a região, interpretou o pedido como um autêntico
delírio. Porém, ao chegar a casa, à entrada do quintal, em contraste com as
plantas e arbustos desfolhados, encontrou uma belíssima rosa e dois figos
maduros, que recolheu e levou à enferma e esgotadíssima parenta, Rita. É por
isso que nos numerosos desfiles e no andor de Santa Rita, em Cássia, abundam as
belíssimas rosas vermelhas, evocativas deste milagre.
Poderemos, agora, retomar a alusão ao culto de Santa Rita, no Alto
Minho, conscientes de que os nossos pedidos dirigidos a Deus por seu intermédio
deverão levar a marca da profunda união com Cristo Redentor, de que a chaga
dolorosa impressa na sua fronte é claro estímulo para todos.
Após o incêndio ocorrido no Santuário de Santa Rita e dada a falta
de sacerdotes – quatro para as dezoito freguesias do concelho! –, os actos do
culto têm estado suspensos, mas a devoção à Advogada dos Impossíveis continua
viva, lamentando-se, apenas, a dificuldade de a manifestar colectivamente, que seria
também uma forma de a incrementar. Continuamos a solicitar a sua protecção e,
apesar das dificuldades invocadas, não deixamos de alimentar a esperança de
que, após a passagem desta pandemia – pelo menos uma vez por mês, no domingo à
tarde, à hora mais conveniente –, se
possa retomar a celebração da Santa Missa, em honra de Santa Rita, neste
Santuário, que lhe é dedicado, mesmo que a iniciativa implique alguns
reajustamentos nas actividades pastorais.
Ela saberá recompensar.
José Marques.